Refletir sobre os resultados de pesquisas sobre a qualidade
do ensino no Brasil revelam passa necessariamente pela análise da formação do
professor. Enquanto instrumento formador de indivíduos, se o docente não tiver
a percepção da necessidade de investir, continuamente, em sua própria formação e
aprimoramento, a intermediação que fará entre os saberes e os alunos será aquém
da esperada.
Uma das formas de viabilizar o incremento da formação
docente e, consequentemente, a qualidade do ensino no Brasil, está na incorporação
da pesquisa como prática cotidiana da vida docente, tendo em vista ser ela
- a pesquisa - a prática que levará ao encontro de novas
formas e percepções sobre o processo de ensino e aprendizagem.
Mas do que isso, é a pesquisa que permitirá aos docentes e às
escolas adequar o ensino às mudanças que a sociedade enfrenta cotidianamente e que
devem ser inseridas no ambiente escolar, pois só assim, o ensino passará a ter significado
para os estudantes, resultando em um maior engajamento às atividades escolares.
Em palestra proferida em agosto de 2016, o professor Pedro
Demo questionou aos presentes qual seria o trunfo dos indivíduos na sociedade
do conhecimento, Para ele, o trunfo “é saber construir conhecimento. Não é copiar.
Não é reproduzir.”
A afirmação de Demo reforça os argumentos apresentados por Isauro
Beltrán Nuñez e Betania Leite Ramalho, no artigo “A pesquisa como recurso da
formação e da construção de uma nova identidade docente: notas para uma
discussão inicial”, publicada na EccoS Revista Científica, em junho de 2005.
O artigo discute a formação de uma identidade do professor
profissional que diverge da do tradicional professor técnico, que leva para a
sala de aula apenas a reprodução de conteúdos previamente definidos, sem uma construção
crítica da temática abordada.
Para os autores, a identidade do professor profissional
passa pela construção do conhecimento, a partir da agregação do valor.
Neste sentido, a pesquisa não pode ser entendida como um
trabalho a mais do docente, mas sim como a base do fazer profissional do
professor, que parte do conhecimento atual para novas possibilidades, a partir
de problemas identificados em seu próprio fazer que estimulam a busca por novas
formas de atuação, “tendo a pesquisa como princípio norteador dessa formação,
com foco no processo de ensino-aprendizagem, e como elemento de compreensão no
que se refere ao processo de construção do conhecimento.” (RAMALHO; NUÑEZ, 2005,
p. 90)
Em um breve histórico apresentado no artigo, Ramalho & Nuñez
(2005) demonstram que a pesquisa leva à inovação da prática do professor, na
medida em que este percebe a sala de aula como um laboratório e a si mesmo como
um investigador, afim de gerar conhecimento.
Ramalho & Nuñez (2005) discorrem sobre experiências docentes
no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa
e na América Latina e destacam que “o professor deve pesquisar sobre sua
atividade profissional, enquanto práxis, e não apenas como pesquisa limitada à
sua prática na sala de aula, no sentido não só da inovação, mas também do desenvolvimento
do currículo.” (RAMALHO; NUÑEZ, 2005, p. 96)
O desenvolvimento de pesquisas e a inovação na atuação do
professor levam a formação de uma identidade pessoal e profissional mais
abrangente e socialmente reconhecidas do que a atual. Isso se deve ao fato de
possibilitar avanços na conquista de resultados positivos na avaliação da
qualidade do ensino, a partir da reformulação da conduta docente.
Na palestra proferida por Demo (2016), mencionada no início
deste texto, o professor ressalta que para levar o aluno a aprender, o docente
precisa estimular o estudante a construir conhecimento, a pesquisar informações,
a produzir as próprias interpretações e escrevê-las, o que representa um
processo em construção. Porém, se o professor não constrói o próprio conhecimento
que se propõe a transmitir, não pode cobrar que o aluno faça o que ele não faz.
Com experiência de pesquisador na Alemanha, Demo destaca que,
no Brasil, é preciso superar a cristalizada identidade social docente, pautada no
modelo hegemônico de formação, a partir da atuação individual, que, como Ramalho
& Nuñez (2005) observam, deve ter no indivíduo o principal ator na construção
de sua identidade.
Os professores são os principais atores na construção de sua identidade, como parte dos processos de profissionalização; dessa forma, não lhes podem ser dadas “identidades prontas” para que eles ajam. As identidades profissionais surgem e se modificam durante a formação inicial na qual enfrentam realidades diversas tanto no contexto da atividade profissional quanto nos sociais mais amplos, em face de novas necessidades sentidas pelos professores. Isso exige novas configurações pessoais, intergrupais e individuais, no sentido de assumir matrizes que caracterizam novos estágios de profissionalização e de identidades. (RAMALHO; NUÑEZ, 2005, p. 100)
Os autores vão além ao destacar que a pesquisa como base da atuação
do professor não se restringe ao processo de produção de conhecimentos teóricos,
mas também na necessária intervenção sobre a prática docente, a partir das
referências das mais variadas áreas do conhecimento científico, que produzem,
socializam e contribuem para a prática docente.
O desenvolvimento do hábito da pesquisa, observam Ramalho & Nuñez (2005), transforma a identidade dos indivíduos e da categoria profissional,
ao mesmo tempo em que transforma as instituições de ensino em instituições que
aprendem a partir das próprias práticas, de maneira sistematizada, para a formação
de formadores.
Dessa prática resulta o que Ramalho & Nuñez (2005) definem
como desenvolvimento profissional, caracterizado por um processo de autotransformação.
Os espaços e o tempo para o trabalho docente são tão importantes quanto a formação direcionada à incorporação de saberes construídos como elementos das identidades. É na prática que se ressignificam os saberes da formação e se desenvolvem saberes práticos necessários ao seu aperfeiçoamento e ao desenvolvimento profissional dos docentes. Nesses processos, a pesquisa que o professor realiza sobre sua atividade profissional ocupa um lugar relevante. (RAMALHO; NUÑEZ, 2005, p. 106)
Nada como os problemas vivenciados no cotidiano docente para
estimular a busca por soluções criativas.
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