Aqueles que já passaram pela experiência da releitura e/ou
do retorno a lugares anteriormente visitados que, por diversas razões,
apresentaram significados diferentes a cada contato, compreendem o desafio que
é lidar com a percepção do novo olhar.
Essa nova perspectiva revela que, mesmo que não haja consciência,
a mudança do ser humano é inevitável. O contexto e a vivência nos moldam e,
consequentemente, transformam nosso olhar e as relações que estabelecemos.
Uma das belezas do texto de Virgínia Woolf está no fato de
ela se expor, por meio dos escritos, exatamente como cada um de nós. No texto Memórias de uma União das Trabalhadoras,
o mais extenso do livro Profissões para
mulheres e outros artigos feministas, publicado pela L&PM Pocket em
2012, com reimpressão em maio deste ano, e 106 páginas, a escritora inglesa nos
envolve justamente na percepção de si mesma diante do mesmo fato, em momentos
diferentes da vida.
Convidada para escrever o prefácio de um livro de coletânea
de textos elaborados pelas mulheres que integravam a União das Trabalhadoras,
Virgínia Woolf destaca, logo de cara, ser contrária aos prefácios.
Os livros devem valer por si, foi o que argumentei (e penso que é um argumento sólido). Se precisam ser escorados por um prefácio aqui, uma introdução ali, mais parecem uma mesa que precisam de um chumaço de papel em baixo de uma das pernas para ficar firme.
Ela era maravilhosa! Rs... 😊
Além de ser contrária a este tipo de texto, Virgínia recorda
que achou a reunião das trabalhadoras enfadonha, por compreender que os
discursos ali apresentados a cda cinco minutos, cronometrados, não teriam a
menor efetividade, caso o sufrágio, a possibilidade de voto, não se tornasse
uma realidade para elas.
Esta reflexão trazida pela escritora levou o filme agistas ao topo da lista da Netflix!
😉
Anos depois, o convite para a elaboração do prefácio, a
levou a rever os textos que tinha ouvido ao vivo anteriormente e a
possibilidade de a memória a ajudar a dar nome aos rostos, mudou a relação de
Woolf com o livro, com o contexto, com as pessoas e, essencialmente, com as transformações
conquistadas com apoio daquela União.
Certamente essa história explicava a força, a obstinação que se viam no rosto das oradoras de Newcastle. E então, continuando a leitura dessas páginas chegava-se a outros sinais da extraordinária vitalidade do espírito humano. Aquela energia inata que resistia a todos os partos e a todas as lavagens tinha se estendido, por assim dizer, e apanhado velhos exemplares de revistas; tinha se afeiçoado a Dickens, tinha apoiado os poemas de Burns na tampa de uma travessa para ler enquanto cozinhavam. Liam às refeições; liam antes de ir para a fábrica. Liam Dickens, Scott, Henry George, Bulwer Lytton, Ella Wheeler Wilcox e Alice Meynell, e adorariakm “pegar alguam boa história da Revolução Francesa, mas não, por favor a de Carlyle”, e B. Russel sobre a China, e os Cadernos de William Morris, Shelley, Florence Barclay e Samuel Butler - liam com a voracidade indiscriminada de um apetite famélico, que se entope de caramelos, carnes, tornas, vinagre e Champagne, tudo ao mesmo tempo. Naturalmente a leitura levou à argumentação. A geração mais nova teve a ousadia de dizer que a rainha Vitória não era melhor do que uma faxineira honesta que criou os filhos com dignidade. Tiveram a temeridade de duvidar se coser pontos retos nas abas dos chapéus masculinos seria o único fim e objetivo da vida de uma mulher. Começaram a debater e até criaram grupos de discussão rudimentares na fábrica. Com o tempo, mesmo as velhas debruadoras tiveram suas crenças abaladas e começaram a pensar que poderiam existir outros ideais no mundo além de pontos retos e da rainha Vitória.
As leituras feitas em conjunto pelas mulheres da União das Trabalhadoras
são destacadas por Virgínia Woolf que, em sua trajetória, defendeu o acesso à
informação pelas mulheres como o caminho para a construção de uma nova
realidade para o gênero. A defesa encontrou eco na postura das trabalhadoras e
na percepção de Woolf que ressalta o quanto o nosso primeiro olhar limita a realidade
que está diante dos nossos olhos.
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