10 outubro 2018

Instruções para entender um relógio

 "Pensa nisto: quando te presenteiam com um relógio dão-te um pequeno inferno, uma cadeia de rosas, masmorra de vaidade. Não te dão somente um relógio que, esperam, te agrade como objeto e possa durar por muito tempo, porque é uma boa marca, suíço, com rubis; não te presenteiam somente com um pequeno ornamento que, atado a teu pulso, passeará contigo. Te presenteiam, mas não sabem, e o terrível é que não sabem, com algo que não é simplesmente um objeto, mas com um novo, frágil e precário apêndice, uma coisa que é tua mas não pertence, de fato, ao teu corpo e, no entanto, tu mesmo vais passar a correia, tu mesmo ajustarás a fivela do vigilante desesperado que doravante terás colado ao teu ser. Deram-te de presente a necessidade de dar corda todos os dias para que a engenhoca não perca seu caráter de relógio; te presenteiam com a obsessão de se curvar à hora exata e conferir os minutos cada vez que te deparares com a vitrine de uma joalheria, com os informativos radiofônicos ou quando, ainda, assaltado pela dúvida, discares para o serviço telefônico. Te presenteiam com o medo de perder o relógio, de que o roubem, de que venha cair e quebrar-se no chão. Presenteiam-te com a marca e a certeza de que teu relógio é o melhor e sentes a tendência perversa de compará-lo com os outros relógios. Não! Não te presenteiam! És tu que entregam como um presente para servir ao relógio; tu és o regalo, escravo das horas ditadas silenciosamente pelo relógio." Julio Cortázar. [Tradução: Ligia Cabús] 

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