31 janeiro 2018

À Sombra das Moças em Flor


Dois anos. Este foi o período que Marcel sofreu intensamente por causa de Gilberte. Após uma discussão, ele decidiu se afastar com o objetivo de fazê-la reconhecer o erro cometido – que nem mesmo ele sabia identificar qual foi -  e pedir perdão para que a relação entre eles fosse retomada.

Para driblar a angústia expressa em cartas não enviadas, o narrador continuou frequentando a casa dos Swann nos horários que sabia que Gilberte não estaria por lá. No dia em que se deixa levar pelos apelos da mãe dela, Odete, vendeu um vaso que herdou da tia Leone e, com o dinheiro da venda, comprou flores para dar a Gilberte, mas a vê saindo de casa na companhia de outro rapaz.

Para curar a dor, Marcel opta por gastar o dinheiro em um bordel.

A primeira parte do segundo volume do Em Busca do tempo Perdido | À Sombra das Moças em Flor, de Marcel Proust, intitulado Ao redor da sra. Swann, termina com o narrador acompanhando o último passeio de Odete pela praça, no horário do almoço, antes da viagem que faz para Balbec.

A segunda parte da obra, Nomes de Lugares: O Lugar, retrata o período de três meses que Marcel passa com a avó e Françoise em Balbec, cidade costeira da França, para onde eles vão com o objetivo de propiciar uma melhor recuperação da debilitada saúde do narrador.

Desde a viagem de Paris para Balbec, o narrador revela nuances do cotidiano que passa a vivenciar, das relações estabelecidas, dos costumes e características das pessoas, destaca que, não importa o lugar aonde estejamos, sempre encontraremos pessoas com características semelhantes às que já conhecemos.

Assim, a dificuldade que sempre demonstrou em se separar da mãe e também de Gilberte, com o passar do tempo é amenizada. No hotel onde fica hospedado, Marcel tem a oportunidade de conhecer parte da elite francesa, inclusive a realeza, além de artistas como Elstir, pintor de quem Swann era admirador e com quem o narrador estabelece amizade.

É por intermédio de Elstir que Marcel conhece as moças que dão título ao volume. Um grupo de adolescentes que passa os dias de verão curtindo o mar, jogos e festas, atividades das quais Marcel não participa, por causa da saúde debilitada, mas conhece as moças que o encantam, mesmo que não tenham muito a acrescentar a ele, em termos intelectuais.

O envolvimento dele com as meninas era tão intenso que passou encontrar desculpas para não estar mais com os amigos, Block e Robert.

O interesse de Marcel é despertado por Albertine, uma moça órfã, criada pelos tios e acolhida pelas famílias das amigas ricas, como Andrée, a quem Marcel demonstrava ter mais interesse para não se revelar a Albertine.

Mesmo apaixonado por Albertine, as lembranças de Marcel sempre traziam Gilberte de volta e, como segundo ele, temos a tendência de repetir condutas, o sentimento também não foi revelado à amiga órfã.

Depois de três meses em Balbec, com o fim do verão e o clima já mudando, as pessoas começavam a voltar para Paris, inclusive Albertine, que viaja sem se despedir das amigas ou de Marcel que, ainda enfermo, recorda os cuidados que Françoise tinha com ele para garantir que descansasse mais tempo, fechando as cortinas com alfinetes para que a luz do sol não entrasse no quarto tão cedo e o acordasse.

No segundo volume do Em Busca do Tempo Perdido, Proust coloca o leitor em contato com o período da adolescência do narrador, período no qual as experiências vividas durante a infância, tanto em Paris como em Combray, são lembradas a todo momento no verão de Balbec, lugar onde Marcel sempre quis estar e, como sempre, devido à elevada expectativa criada, geralmente frustrava-se.

Por outro lado, o autor ressalta que o tempo, se não curar, nos ajuda a lidar com os sofrimentos, mas que a memória, nos religa por mecanismos que são exteriores a nós aos momentos, pessoas e sentimentos que mesmo depois de longos períodos são capazes de nos tocar intensamente e, até mesmo, fazer chorar.

Ora, as recordações de amor não fazem exceção às leis gerais da memória, elas próprias regidas pelas leis mais gerais do hábito. Como este enfraquece tudo, o que nos recorda melhor uma criatura é justamente o que tínhamos esquecido, porque era insignificante e assim lhe havíamos deixado toda sua forca. É porque a melhor parte de nossa memoria está fora de nós, numa brisa chuvosa, num cheiro de quarto fechado, ou no odor de uma primeira labareda, em toda parte onde encontramos de nós mesmos o que nossa inteligência rejeitara, por julgá-lo inútil, a última reserva do passado, a melhor, aquela que, quando todas as nossas lágrimas parecem ter secado, sabe nos fazer chorar ainda. Fora de nós? Em nós, para melhor dizer, mas escondida a nossos próprios olhares, num esquecimento que podemos, de vez em quando, reencontrar o ser que já fomos, colocar-nos face a face às coisas como o era essa criatura, sofrer de novo, porque não somos mais nós mas ele, e ele é quem amava a pessoa que agora nos é indiferente. Em pela luz da memória habitual, as imagens do passado empalidecem aos poucos, vão se apagando, não resta mais nada delas, não as encontraremos nunca mais.

Que livro!!! ❤

Cabe ressaltar que, apesar de ser um texto primoroso, esta edição apresenta alguns erros de digitação que não atrapalham a compreensão textual, mas são incômodos. Existem novas edições no mercado, tanto em livros físicos quanto em e-books, mas o essencial é que, de fato, é uma obra que deve ser lida, com ou sem erros de revisão. 😊

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