29 janeiro 2018

Carandiru | O Filme


Falar sobre o sistema carcerário brasileiro não é algo fácil, pois, como qualquer tabu (inclusive os que não deveriam ser), a preferência nacional é deixar embaixo do tapete problemas com os quais não se quer lidar e, por esta razão, é mais fácil fingir que não existem.

A realidade dos detentos no Brasil e, em especial, o massacre no Carandiru, registrado no pavilhão Nove da Casa de Detenção de São Paulo, no dia 2 de outubro de 1992, que culminou com 111 presos mortos, tem sido ignorada e/ou subdimensionada ao longo dos anos.

Porém, o avanço da criminalidade com coordenação de atividades a partir dos presídios tem obrigado a sociedade a rever a postura adotada até aqui e voltar os olhos para aquilo que, queria ou não, envolve não só a base da população brasileira, mas ela como um todo.

O longa-metragem de 2003, Carandiru, baseado no livro Estação Carandiru, de Dráuzio Varella (1999), revela o cotidiano do presídio que, à época, contava com mais de sete mil detentos, em uma área com capacidade para 4 mil, e a constatação de que a manutenção do sistema só era possível porque os presos assim queriam.

O filme (disponível no YouTube, mas com áudio baixo) é bem fiel ao livro, com a diferença de oferecer ao espectador as imagens da realidade que, muitas vezes a imaginação não é capaz de criar, pois o real pode sim ser muito pior do que somos capazes de imaginar.

As primeiras cenas do longa mostram a aérea da Casa de Detenção -  chamada de Carandiru por ser o nome do bairro de São Paulo no qual estava localizado –, registradas em um sobrevoo, dão a dimensão real daquilo que tentamos fingir que não vemos, que não existe, mas que está diante dos nossos olhos todos os dias.

Além do retrato da completa falta de dignidade para a sobrevivência do ser humano naquele ambiente, outro momento impactante o da entrada do Batalhão de Choque da Polícia Militar de São Paulo no presídio e a preparação dos homens que o compõem para invadir o pavilhão nove. As cenas que se seguem são de massacre e, como o autor do livro mesmo afirma:


Só podem contar o que se passou daí em diante, como diz o dr. Pedrosa: - A PM, os presos e Deus. Ouvi apenas os presos.

O subtítulo do filme diz: Aqui dentro ninguém é culpado de nada. Você acredita nisso? E, para muitos, esse é o argumento utilizado para justificar que o assassinato dos detentos naquele dia de 1992, em consequência da invasão da polícia para retomar o controle do sistema perdido após uma briga entre grupos que, até hoje, não se sabe exatamente quais foram as causas.

O livro e o filme levam a muitas reflexões que precisam ser feitas, como, por exemplo, o fato de o Estado se mostrar incapaz de garantir a integridade das pessoas que é responsável por proteger. Diante de situações – nada corriqueiras como esta – é inevitável questionar: Afinal, em quem os cidadãos podem confiar?

Mais do que isso, as duas obras colocam a cada um de nós, cidadãos, o questionamento sobre qual é a nossa responsabilidade neste caos social que aí está, tendo em vista as diversas histórias individuais de trajetórias que poderiam – ou não – ter desfechos diferentes, se nós também nos posicionássemos de forma diferente diante dos problemas sociais.


No dia 2 de outubro de 1992, morreram 11 homens no pavilhão Nove, segundo a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinquenta, contando os que saíram feridos e nunca retornaram. Nos números oficiais não há referencia a feridos. Não houve mortes entre os policiais militares.

Por mais desconforto que o filme causa, vale o tempo dedicado a ele.

Vale também assistir a este documentário produzido por estudantes de Jornalismo da PUC | Campinas (2014) com os sobreviventes do Carandiru.

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