12 janeiro 2018

Carta do descobrimento: Ao Rei D. Manuel


A intertextualidade encontrada nos livros estimula o leitor a entrar em contato com autores que, sem esse estímulo, dificilmente seriam buscados. A leitura de obras como Os Donos do Poder | Formação do Patronato Político Brasileiro, de Raymundo Faoro, tem incrementado o desejo de contato com a literatura que revela mais sobre o Brasil, caminho que será percorrido de forma mais intensa em 2018.

Para dar os primeiros passos neste caminho, a primeira leitura concluída do ano foi A carta do descobrimento: Ao Rei D. Manuel, escrita por Pero Vaz de Caminha. A obra é uma das citadas por Faoro como base da pesquisa sobre o período colonial. Antes de avançar pelos capítulos que tratam do movimento da independência, uma pausa para ler a íntegra do texto de Caminha.

A nota introdutória da Carta, desta edição da Coleção Saraiva de Bolso, publicada pela editora Nova Fronteira, em 2013, com 55 páginas, explica que Pero Vaz de Caminha foi o escrivão da frota de Pedro Álvares Cabral e que o documento escrito por ele é a primeira descrição do Brasil, com gosto de reportagem, com peso de certidão de nascimento.

A carta narra as descobertas realizadas no novo território no período 9 de março e 1° de maio de 1500 e descreve as primeiras impressões sobre a recém encontrada Terra de Santa Cruz. O texto traz ainda detalhes sobre o povo, as águas e as expectativas do que o novo mundo pode representar a Portugal e, em especial, ao Rei, a quem a carta é endereçada.


E neste dia, ao final do dia, tivemos a visão de terra, seja primeiramente de um grande monte, mui alto e redondo, e de outras serras mais baixas ao sul dele; e de terra plana, com grandes arvoredos; ao qual monte alto o capitão pôs nome -  Monte Pascoal -, e à terra – a Terra de Vera Cruz.

Escrita com a identificação dos dias e horários, que ajudam ao leitor acompanhar a ordem cronológica dos fatos, a carta revela os primeiros contatos dos portugueses com os índios; a curiosidade que ambos sentem diante do novo formato de sociedade que encontram, desde a ausência de roupas, passando pelos hábitos alimentares - totalmente frugal -, à inexistência de casas; as trocas de mercadorias; a identificação dos animais, da abundância de mata verde e de rios; a expectativa de metais preciosos a serem encontrados; a realização da primeira missa na nova terra e a possibilidade de catequisar os índios.


Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e ele a nós, seriam logo cristãos, porque eles não têm, nem entendem em nenhuma crença, segundo parece. E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar, aprenderem bem a sua fala e os entender, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crerem na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á com ligeireza neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, e por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa.

Vale ressaltar que a preocupação dos portugueses com a evangelização dos índios foi descrita com a mesma riqueza de detalhes que as características dos corpos dos nativos, comparados aos seus.


E uma daquelas moças era toda tingida, de cima a baixo, daquela tintura; e certo era tão bem-feita e tão redonda, e sua vergonha (que ela não tinha) era tão graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhes tais feições, faria vergonha por não terem a sua como a dela. Nenhum deles era circuncidado, mas todos assim como nós. E com isso retornamos e eles foram-se.

Um detalhe importante desta edição é que ela traz o texto original de Pero Vaz de Caminha e a versão editada e atualizada para o português contemporâneo, por Maria Ângela Villela, que torna a leitura mais fluida.

Este é um texto que, sem dúvida, vale a leitura na íntegra, ao invés dos fragmentos com os quais geralmente somos colocados em contato à época escolar. 

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