O ano de
2018 começou com a leitura do segundo volume do Em Busca do Tempo Perdido | À Sombra das Moças em Flor, de Marcel
Proust. Para quem tinha planejado fazer esta leitura no segundo semestre do ano
passado, esta parece ser, também, uma busca pela recuperação do tempo perdido. Mas,
assim como o primeiro volume – No Caminho
de Swann -, Proust chega às mãos no momento mais adequado.
Isso
acontece pelo fato de a escrita do autor, nesta obra, ser estruturada em fluxo
de consciência, que encadeia os fatos narrados em detalhes, com a percepção sobre
eles, assim como as sensações e pensamentos que aquele que vivencia determinada
experiência passa.
Assim,
um diálogo não é apenas um diálogo, na medida em que Proust revela ao leitor o
que as expressões, ou a falta delas, significam para os interlocutores. O
envolvimento do leitor com o texto requer tempo à reflexão, que se opõe à
pressa cotidiana.
Nas
primeiras cem páginas deste volume, que nesta edição da coleção Saraiva de
Bolso, da editora Nova Fronteira (2014), conta com 600, o autor nos coloca diante
de um Marcel, protagonista, adolescente, apaixonado por Gilberte, filha do
casal Swann.
A
retomada das personagens, de suas histórias e contextos, como o autor faz com o
casal Swann, garante que a transição entre as obras se dê de maneira tão fluida
quanto todo o enredo.
Neste recomeço,
Marcel persiste em seu desejo pela carreira literária e a busca pela significação
do encanto pelas artes em geral, em especial, com a primeira ida ao teatro para
assistir a um concerto, permitida pelos pais, apesar da saúde debilitada. Os problemas
respiratórios de Marcel permanecem como
limitadores de sua vida social.
Até
aqui, a amorosa relação com a avó e a mãe são destaque, assim como a herança que
recebeu da tia. A permissão do pai, após interferência de um diplomata, para
que Marcel se dedique à literatura como carreira profissional é um alento ao
protagonista, ao mesmo tempo que um martírio, pois ainda não sabe se, apesar de
seu desejo, este é realmente seu talento.
A necessidade
de compreender o significado das coisas, faz com que Proust presentei o leitor
com reflexões sobre elementos do cotidiano que tendemos a simplesmente aceitar,
sem racionalizar sobre elas. Exemplo disso é a percepção sobre o significado de
ano novo e, as expectativas que colocamos neste novo começo, que o autor nos
apresenta e se faz tão propícia a este momento.
Soprava um vento úmido e suave. Era um tempo que eu conhecia, tive a sensação e o pressentimento deque o dia de Ano-Novo não era diferente dos outros, que não era o primeiro de um mundo ovo em que teria podido, com uma oportunidade ainda intacta, refazer minhas relações com Gilberte como no tempo de Criação, como se ainda não existisse passado, como se tivessem sido aniquiladas, juntamente com os indícios que delas se pudessem tirar para o futuro, as decepções que ela me causara às vezes; um novo mundo onde não subsistisse nada de antigo... a não ser uma coisa: meu desejo de que Gilberte me amasse. Compreendi que meu coração desejava tal renovação, a seu redor, de um universo que não o satisfizera, porque ele, coração, não havia mudado, e disse para mim mesmo que não havia motivo algum para que o de Gilberte tampouco tivesse mudado; senti que aquela nova amizade era a mesma, como não são separados dos outros por um fosso, os anos novos que o nosso desejo, sem poder atingi-los e modifica-los, reveste, sem que o saibam, de um nome diferente. Por mais que eu dedicasse a Gilberte aquele ano, e da mesma forma como se superpõe uma religião às leis cegas da natureza, e tentasse imprimir ao dia do Ano-Novo a ideia particular que fazia dele, era tudo em vão; sentia que ele não sabia que o chamavam de dia do Ano-Novo, que terminava no crepúsculo de um modo que não era novo: no vento suave que soprava ao redor da coluna de cartazes, eu reconhecera, sentira reaparecer a matéria eterna e comum, a umidade familiar, a ignorante fluidez dos dias antigos.
Que
texto! E, como já dito, Proust chega às nossas mãos nos momentos mais adequados!
Leitura
que segue! 😊💭
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