Existem fatos históricos que são tão complexos que tornam de
difícil entendimento os relatos a respeito deles, pois, por mais simplistas que
sejam, sempre deixam nuances de fora e, por isso mesmo, permanecem incompreensíveis.
A questão dos conflitos entre Irã, Iraque e demais países da
região no Oriente Médio é um bom exemplo desta realidade. E, por esta razão, é
que a forma escolhida para que tais relatos sejam feitos tem impacto significativo
na apreensão do contexto apresentado.
Neste sentido, a escolha de Marjane Satrapi pela produção de
um romance gráfico autobiográfico para expor ao mundo as transformações pelas
quais o Irã passou ao longo dos anos e, em especial, as impostas às pessoas,
suas culturas e forma de viver tornam a história em quadrinhos (HQ) Persépolis, uma obra indispensável aos
interessados nos conflitos que marcam a história não só daquela parte do mundo,
mas de todo o globo terrestre.
O livro publicado pela Companhia das Letras em 2007 reúne os
quatro volumes da HQ que tem a autora iraniana como narradora. A narrativa nos
coloca em contato com a vida de Marjane Satrapi a partir dos 10 anos, idade na
qual ela começa a relatar, entre outras coisas, como as alterações no sistema
de governo resultavam em mudanças na condução do ensino no País, tanto em
relação a forma, quanto em relação ao conteúdo.
No decorrer
histórias, o leitor é guiado por uma viagem pela constituição familiar de
Marjane e das intensas relações que marcaram seu desenvolvimento de maneira
significativa. Os valores e cultura cultivados neste ambiente tornaram-se
parâmetro para ela que teve a oportunidade de estudar no exterior, enquanto
seus familiares permaneceram no meio do fogo cruzado - literalmente – no Irã.
Na vida você vai encontrar muita gente idiota. Se te ferirem, pensa que é uma imbecilidade deles que os leva a fazer o mal. Assim você vai evitar responder às maldades deles, porque não tem nada pior no mundo do que a amargura e a vingança... seja sempre digna e fiel a vocês mesma.
O contato com novas culturas levou a autor a passar por um
período de descoberta de si mesma, intensificado pelas características
inerentes à adolescência, assim como o papel da mulher no mundo, em especial,
enquanto representante de um País tão negativamente estereotipado.
Alias, ser mulher no Irã não era - e ainda não é fácil -,
mas tampouco é possível dizer que ser mulher iraniana no mundo dito civilizado
é mais fácil. O preconceito com o qual foi obrigada a conviver levou Marjane de
um processo de negação de sua origem, na tentativa de ser aceita, à compreensão
de que o fortalecimento de sua identidade seria o melhor caminho de se tornar
mais forte e enfrentar o desconhecimento social, postura que aprendeu com os
pais e demais familiares que não se deixaram enfraquecer, apesar de toda
adversidade enfrentada.
É o medo que nos faz perder a consciência. É ele também que nos transforma em covardes.
Persépolis é muito
mais do que a história de uma menina iraniana. Esta é uma história de
sobrevivência dos povos e suas respectivas culturas, diante da ganância e do
oportunismo de poucos países, mas financeira e militarmente mais bem
estruturados. Este retrato social é feito pelo olhar de Marjane que revela também,
como foram seus contatos com autores como Sartre, Marx, Durkheim, entre outros,
que influenciaram ou não sua maneira de ver o mundo.
Grito nenhum poderia aplacar meu sofrimento e minha raiva.
Persépolis – O Filme
Ainda no ano de 2007, o livro Persépolis foi transformado em animação, disponível no YouTube
(clique aqui), com direito a indicação como um dos três melhores filmes de animação ao
Oscar daquele ano. A obra é bem fiel ao livro, mas como toda adaptação, não
comporta a extensão da obra literária.
Tanto o livro, escolhido para o mês de setembro do projeto
#leiamulheresnatal, quanto o filme, que é francês e produzido em preto e
branco, segundo o modelo da história em quadrinho, valem cada minuto de
dedicação, seja pelo contexto histórico e contemporâneo, seja pelas histórias
de vidas! 😊
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