Sempre compreendi que o texto representa o registro da forma
de ver o mundo de determinado autor. Alguns conseguem externar as percepções a
respeito da vida, em suas mais diferentes formas, de maneira simples, linear,
mas não menos envolvente.
O hábito e a afinidade com os textos escritos em prosa
foram, pouco a pouco, me afastando da poesia, mas não de maneira consciente.
No início do ano e 2017, quando as metas de leitura para o
ano foram estabelecidas, dar espaço para outros estilos textuais, como os
poemas, também foi item inserido. Até que, neste mês de setembro, finalmente
dei início à leitura de Poemas Escolhidos,
de Ferreira Gullar.
Com a proposta inicial de ler um poema por dia, me dei conta
do porquê carregar comigo a impressão de ser esta uma leitura mais difícil,
pois a realidade tem confirmado a percepção anterior.
A primeira dificuldade está na não necessária literalidade
do texto, tendo em vista do uso de figuras de linguagens é uma característica
do estilo. Mais do que isso, como bem explica Salvatore D’Onofrio, no livro Forma e Sentido do Texto Literário:
Um poema é constituído pela segmentação de sua escrita: cada verso é um recorte no continuum do discurso, estabelecendo pausas fônicas independentemente das pausas sintáticas. Por isso, a prosa se caracteriza pelo ritmo da continuidade, e a poesia, pelo ritmo da repetição.
Este tipo de estrutura e construção textual exige mais atenção
e reflexão do leitor, em especial, aqueles que, como eu, não estão habituados
ao estilo. Este é desafiador, criativo, mas, sobretudo, arte que, como tal,
deve ser apreciada, sem moderação!
Assim como eu, permita-se!😊
Oswald morto
Enterraram ontem em
São Paulo
um anjo antropófago
de asas de folha de
bananeira
(mais um nome que se mistura
à nossa vegetação tropical)
As escolas e as usinas
paulistas
não se detiveram
para olhar o corpo do
peta que anunciara a civilização do
ócio
Quanto mais pressa
mais vagar
O lenço em que pela última
vez
assoou o nariz
era uma bandeira
nacional
Nota:
Fez sol o dia inteiro
em Ipanema
Oswald de Andrade
ajudou o crepúsculo
hoje domingo 24 de
outubro de 1954
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