15 setembro 2017

Anna Kariênina | Parte V



A Parte V do livro Anna Kariênina, de Liev Tolstói, é, sem dúvida, a mais masculina dentre as lidas até aqui. Nos 33 capítulos que a compõem, o autor nos coloca em contato com as perspectivas de Liévin e de Vrónski, a respeito de suas respectivas situações, após a conquista de Kitty e Anna.

Enquanto Liévin não cabe em si de tanta felicidade, por ter casado com a mulher que tanto o fez sofrer por tê-lo rejeitado em nome de Vrónski, este, por sua vez, também busca a felicidade no novo estilo de vida. Depois de abandonar a carreira militar e seguir viagem pela Europa, ao lado de Anna Kariênina, Vrónski procura dar a ela o respeito que a posição de esposa, do século XIX, tinha, mesmo sem ela ter se divorciado do marido, Aleksiei Aleksándrovitch.

O casal deixa São Petersburgo depois do nascimento da filha e, diferente do que entendi na leitura da Parte IV, a menina é levada com eles, e quem fica para trás, com o pai, é Serioja, o primogênito de Anna.  

Se por um lado Kitty e Anna Kariênina estavam satisfeitas com as novas vidas e felizes pela constante companhia dos responsáveis pela mudança de sentido de suas vidas, tanto Liévin, quanto Vrónski se sentiam entediados com as novas rotinas, apesar de lutarem contra tal sentimento.

Para elas, a vida tornara-se realidade no momento em que passaram a conviver com Liévin e Vrónski. Por outro lado, para eles, abrir mão da liberdade e passar a atender obrigatoriamente às necessidades de Kitty e Anna tornou aqueles momentos enfadonhos, mesmo que o amor que sentissem por elas fossem verdadeiros.

Logo sentiu que em sua alma se erguiam os desejos de desejos: o tédio.


Ao mesmo tempo em que Liévin e Vrónski gostavam da companhia de Kitty e de Anna e tomavam para si a responsabilidade da felicidade delas, não conseguiam conciliar a vida que sempre tiveram antes do matrimônio e da saída da Rússia. Abrir mão da vida que estavam acostumados e do elas os proporcionava foi penoso e causa de brigas internas e, como não poderia deixar de ser, com elas também, que sentiam as mudanças de atitudes e dificuldades de adaptação de seus companheiros.

Pois daqui a pouco vai fazer três meses e eu nunca passei meu tempo de modo tão ocioso e inútil.


Acompanhar os pensamentos dos dois casais que tanto enfrentaram para permanecer juntos nos leva a perceber como as mesmas situações podem ter significados completamente diferentes a depender do olhar que se dá a elas e de quem o dá.

Ela não faz nada e sente-se perfeitamente satisfeita.


Se a conquista das mulheres que desejavam não foi razão suficiente para a manutenção da felicidade de Liévin e Vrónski, a ausência de Anna tornou a vida, para Aleksiei Aleksándrovitch, um fardo bastante pesado a ser carregado. Foi no trabalho que ele encontrou forças para dar continuidade à vida e educar Serioja.

(...) sentia que sem o trabalho sua vida seria demasiado sombria.


A perspectiva da criança, que neste período completou 9 anos, também é enfatizada nesta ´parte da obra. Apesar de o pai ter dito a ele que a mãe morreu, Serioja não acreditou e sua desconfiança foi, posteriormente, confirmada por uma das empregadas da casa que disse a ele que Anna estava viva. Mesmo sem entender a razão do desaparecimento, a esperança de um reencontro dava vida ao espírito do menino.

Neste novo momento da vida, no qual se vê obrigado a construir uma relação próxima com o pai, com quem tem pouca afinidade, a descoberta de um mundo longe da mãe não tira de Serioja, a esperança do reencontro dificulta o processo de aprendizagem imposto por Aleksiei Aleksándrovitch à criança. Com os resultados escolares de Serioja aquém do esperado, a realidade tornava-se ainda mais desafiadora para pai e filho.

(...) conhecia a própria alma, era preciosa para ele, e a protegia como a pálpebra protege o olho e, sem a chave do amor, não deixava ninguém entrar em sua alma.


Os desafios diante do inesperado da nova vida; do julgamento da sociedade; da incompatibilidade entre as escolhas pessoais e as expectativas criadas sobre os indivíduos; a descoberta de si mesmo e do outro, mesmo após anos de convivência, são alguns dos temas abordados nesta Parte V da obra, que começa a nos orientar para o encerramento deste enredo tão complexo e envolvente criado por Tolstói.

Que venha a Parte VI!

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