A Parte V do livro Anna Kariênina, de Liev Tolstói, é, sem dúvida, a mais masculina dentre as lidas até aqui. Nos 33 capítulos que a compõem, o autor nos coloca em contato com as perspectivas de Liévin e de Vrónski, a respeito de suas respectivas situações, após a conquista de Kitty e Anna.
Enquanto Liévin não cabe em si de tanta felicidade, por ter
casado com a mulher que tanto o fez sofrer por tê-lo rejeitado em nome de
Vrónski, este, por sua vez, também busca a felicidade no novo estilo de vida.
Depois de abandonar a carreira militar e seguir viagem pela Europa, ao lado de
Anna Kariênina, Vrónski procura dar a ela o respeito que a posição de esposa,
do século XIX, tinha, mesmo sem ela ter se divorciado do marido, Aleksiei
Aleksándrovitch.
O casal deixa São Petersburgo depois do nascimento da filha
e, diferente do que entendi na leitura da Parte IV, a menina é levada com eles,
e quem fica para trás, com o pai, é Serioja, o primogênito de Anna.
Se por um lado Kitty e Anna Kariênina estavam satisfeitas
com as novas vidas e felizes pela constante companhia dos responsáveis pela mudança
de sentido de suas vidas, tanto Liévin, quanto Vrónski se sentiam entediados
com as novas rotinas, apesar de lutarem contra tal sentimento.
Para elas, a vida tornara-se realidade no momento em que
passaram a conviver com Liévin e Vrónski. Por outro lado, para eles, abrir mão da
liberdade e passar a atender obrigatoriamente às necessidades de Kitty e Anna
tornou aqueles momentos enfadonhos, mesmo que o amor que sentissem por elas
fossem verdadeiros.
Logo sentiu que em sua alma se erguiam os desejos de desejos: o tédio.
Ao mesmo tempo em que Liévin e Vrónski gostavam da companhia
de Kitty e de Anna e tomavam para si a responsabilidade da felicidade delas, não
conseguiam conciliar a vida que sempre tiveram antes do matrimônio e da saída
da Rússia. Abrir mão da vida que estavam acostumados e do elas os proporcionava
foi penoso e causa de brigas internas e, como não poderia deixar de ser, com
elas também, que sentiam as mudanças de atitudes e dificuldades de adaptação de
seus companheiros.
Pois daqui a pouco vai fazer três meses e eu nunca passei meu tempo de modo tão ocioso e inútil.
Acompanhar os pensamentos dos dois casais que tanto
enfrentaram para permanecer juntos nos leva a perceber como as mesmas situações
podem ter significados completamente diferentes a depender do olhar que se dá a
elas e de quem o dá.
Ela não faz nada e sente-se perfeitamente satisfeita.
Se a conquista das mulheres que desejavam não foi razão suficiente
para a manutenção da felicidade de Liévin e Vrónski, a ausência de Anna tornou
a vida, para Aleksiei Aleksándrovitch, um fardo bastante pesado a ser
carregado. Foi no trabalho que ele encontrou forças para dar continuidade à
vida e educar Serioja.
(...) sentia que sem o trabalho sua vida seria demasiado sombria.
A perspectiva da criança, que neste período completou 9
anos, também é enfatizada nesta ´parte da obra. Apesar de o pai ter dito a ele
que a mãe morreu, Serioja não acreditou e sua desconfiança foi, posteriormente,
confirmada por uma das empregadas da casa que disse a ele que Anna estava viva.
Mesmo sem entender a razão do desaparecimento, a esperança de um reencontro
dava vida ao espírito do menino.
Neste novo momento da vida, no qual se vê obrigado a
construir uma relação próxima com o pai, com quem tem pouca afinidade, a
descoberta de um mundo longe da mãe não tira de Serioja, a esperança do
reencontro dificulta o processo de aprendizagem imposto por Aleksiei
Aleksándrovitch à criança. Com os resultados escolares de Serioja aquém do
esperado, a realidade tornava-se ainda mais desafiadora para pai e filho.
(...) conhecia a própria alma, era preciosa para ele, e a protegia como a pálpebra protege o olho e, sem a chave do amor, não deixava ninguém entrar em sua alma.
Os desafios diante do inesperado da nova vida; do julgamento
da sociedade; da incompatibilidade entre as escolhas pessoais e as expectativas
criadas sobre os indivíduos; a descoberta de si mesmo e do outro, mesmo após
anos de convivência, são alguns dos temas abordados nesta Parte V da obra, que começa
a nos orientar para o encerramento deste enredo tão complexo e envolvente
criado por Tolstói.
Que venha a Parte VI!
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