Se a Parte V do livro Anna
Kariênina, de Liev Tolstói, foi o trecho mais masculino da obra lido até
aqui, a Parte VI pode ser caracterizada como a mais machista. Os 32 capítulos que
a compõem dão continuidade à exposição da perspectiva dos homens a respeito das
relações pessoais, sociais e profissionais que mantêm.
Nesses capítulos, a visão de Vrónsky e de Liéven sobre seus
respectivos casamentos e papeis que desempenham na sociedade têm destaque e também
ajudam ao leitor a perceber as discussões que permeavam as relações
trabalhistas em transformação na Rússia pré-revolução.
Enquanto que, para ambos, a vida de Anna Kariênina e de Kitty
encontrava significado nos afazeres domésticos e nos cuidados com a criação dos
filhos, para eles, o descontentamento que começou a aparecer na Parte V, por não
quererem abrir mão da vida que tinham antes do estabelecimento dos
relacionamentos que tanto almejavam, é reforçado na Parte VI.
O tédio os domina levando-os, até mesmo, a questionar a própria
virilidade.
Sim, quem sabe Stiva tenha razão: com ela, não me comporto como um homem, virei um maricas… Mas o que fazer? De novo, ajo de forma negativa!
A necessidade de manter a vida privada e a familiar é
tratada como sendo algo natural ao homem, pois: “O homem deve ser independente, ele tem seus interesses viris. O homem
deve ser viril.” 😒💭
Se para eles vale este pensamento, o mesmo não cabe às
mulheres que devem se contentar com a harmonia no lar, teoricamente, garantida
pelos homens. Para elas é inadmissível a ideia de uma viagem, por exemplo, caso
um dos filhos adoeça. A eles não há objeção, apenas o julgamento discriminador se
elas cogitarem manter a mesma postura que eles.
Por que não ir até lá, se é divertido? (...). Não fará mal nenhum à minha esposa e eu me divertirei. O importante é zelar pela santidade do lar. Cuidar para que, em casa, nada aconteça. Mas nem por isso vamos amarrar as próprias mãos.
A cultura machista, tão impregnada em nossos dias, não só
era opressora para as mulheres, como era corroborada por elas que viam como
meta de vida atender às expectativas daqueles com quem dividiam o lar.
Mesmo Anna Kariênina que, para muitos, representava a negação
do estereótipo feminino da época, revela ao leitor a angústia que sente diante
do jogo para prender Vrónksy naquilo que chama de “as rédeas do amor”.
Os homens precisam de distração e Aleksiei precisa de uma plateia, por isso tenho apreço por toda essa sociedade. Isso é necessário, para que nossa casa fique alegre e animada e para que Aleksiei não comece a desejar nenhuma novidade.
Ao entrar em contato com a nova vida de Anna Kariênina,
Dolly reflete a respeito da própria existência, sobre a qual lança um olhar
crítico, assim como sobre seu casamento, salvo por intermédio de Anna, e para
os passos agora seguidos pela irmã mais nova, Kitty.
“Sim, é só isso”, refletiu Dária Aleksándrovna, ao recordar sua vida naqueles quinze anos de casamento, “gravidez, enjoo, pensamento embotado, indiferença a tudo e, principalmente, feiura. Kitty, tão moça, a linda Kitty, e mesmo ela ficou tão feia, e eu, grávida, fico horrenda, eu sei. O parto, o sofrimento, um sofrimento horrendo, aquele último minuto… depois, a amamentação, as noites sem dormir, as dores terríveis…”.
Tolstói reforça a perspectiva machista aos levar o leitor a
perceber que a reflexão de Dolly, considerada pelo autor uma mulher virtuosa,
por ser dedicada à casa, aos filhos e se submeter à infidelidade do marido,
sente inveja da ousadia de Anna Kariênina por ter tido coragem para enfrentar a
tudo e a todos para viver ao lado de Vrónsky.
Como, em geral, não é raro em mulheres irrepreensivelmente corretas, mas que se cansaram da monotonia de uma vida virtuosa, ela, à distância, não só desculpava o amor criminoso, como até o invejava. Além disso, estimava Anna de todo o coração.
O que ela não sabia é que, apesar de toda a bravura, Anna desejava
a tranquilidade que Dolly e Kitty vivenciavam no cotidiano e que, para ela, era
algo cada vez mais distante e dependente do divórcio a ser concedido ou não pelo
marido, Alexei Alexandrovich. Anna
Karienina entendia que só assim poderia casar com Vrónksy e regularizar a situação
de ambos perante a sociedade russa.
Enquanto Anna lutava para manter o interesse de Vrónsky em
si mesma, ele estva mais focado em suas atividades profissionais, agora como
senhor das terras da família, e em reafirmar a própria liberdade.
Vrónski viera à eleição porque estava entediado de ficar no campo, porque precisava manifestar seu direito à liberdade perante Anna.
Leitura que segue para a Parte VII! 😉
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