22 setembro 2017

Anna Kariênina | Parte VI


Se a Parte V do livro Anna Kariênina, de Liev Tolstói, foi o trecho mais masculino da obra lido até aqui, a Parte VI pode ser caracterizada como a mais machista. Os 32 capítulos que a compõem dão continuidade à exposição da perspectiva dos homens a respeito das relações pessoais, sociais e profissionais que mantêm.

Nesses capítulos, a visão de Vrónsky e de Liéven sobre seus respectivos casamentos e papeis que desempenham na sociedade têm destaque e também ajudam ao leitor a perceber as discussões que permeavam as relações trabalhistas em transformação na Rússia pré-revolução.

Enquanto que, para ambos, a vida de Anna Kariênina e de Kitty encontrava significado nos afazeres domésticos e nos cuidados com a criação dos filhos, para eles, o descontentamento que começou a aparecer na Parte V, por não quererem abrir mão da vida que tinham antes do estabelecimento dos relacionamentos que tanto almejavam, é reforçado na Parte VI.

O tédio os domina levando-os, até mesmo, a questionar a própria virilidade.

Sim, quem sabe Stiva tenha razão: com ela, não me comporto como um homem, virei um maricas… Mas o que fazer? De novo, ajo de forma negativa!


A necessidade de manter a vida privada e a familiar é tratada como sendo algo natural ao homem, pois: O homem deve ser independente, ele tem seus interesses viris. O homem deve ser viril.” 😒💭

Se para eles vale este pensamento, o mesmo não cabe às mulheres que devem se contentar com a harmonia no lar, teoricamente, garantida pelos homens. Para elas é inadmissível a ideia de uma viagem, por exemplo, caso um dos filhos adoeça. A eles não há objeção, apenas o julgamento discriminador se elas cogitarem manter a mesma postura que eles.

Por que não ir até lá, se é divertido? (...). Não fará mal nenhum à minha esposa e eu me divertirei. O importante é zelar pela santidade do lar. Cuidar para que, em casa, nada aconteça. Mas nem por isso vamos amarrar as próprias mãos.


A cultura machista, tão impregnada em nossos dias, não só era opressora para as mulheres, como era corroborada por elas que viam como meta de vida atender às expectativas daqueles com quem dividiam o lar.

Mesmo Anna Kariênina que, para muitos, representava a negação do estereótipo feminino da época, revela ao leitor a angústia que sente diante do jogo para prender Vrónksy naquilo que chama de “as rédeas do amor”.

Os homens precisam de distração e Aleksiei precisa de uma plateia, por isso tenho apreço por toda essa sociedade. Isso é necessário, para que nossa casa fique alegre e animada e para que Aleksiei não comece a desejar nenhuma novidade.


Ao entrar em contato com a nova vida de Anna Kariênina, Dolly reflete a respeito da própria existência, sobre a qual lança um olhar crítico, assim como sobre seu casamento, salvo por intermédio de Anna, e para os passos agora seguidos pela irmã mais nova, Kitty.

“Sim, é só isso”, refletiu Dária Aleksándrovna, ao recordar sua vida naqueles quinze anos de casamento, “gravidez, enjoo, pensamento embotado, indiferença a tudo e, principalmente, feiura. Kitty, tão moça, a linda Kitty, e mesmo ela ficou tão feia, e eu, grávida, fico horrenda, eu sei. O parto, o sofrimento, um sofrimento horrendo, aquele último minuto… depois, a amamentação, as noites sem dormir, as dores terríveis…”.


Tolstói reforça a perspectiva machista aos levar o leitor a perceber que a reflexão de Dolly, considerada pelo autor uma mulher virtuosa, por ser dedicada à casa, aos filhos e se submeter à infidelidade do marido, sente inveja da ousadia de Anna Kariênina por ter tido coragem para enfrentar a tudo e a todos para viver ao lado de Vrónsky.

Como, em geral, não é raro em mulheres irrepreensivelmente corretas, mas que se cansaram da monotonia de uma vida virtuosa, ela, à distância, não só desculpava o amor criminoso, como até o invejava. Além disso, estimava Anna de todo o coração.


O que ela não sabia é que, apesar de toda a bravura, Anna desejava a tranquilidade que Dolly e Kitty vivenciavam no cotidiano e que, para ela, era algo cada vez mais distante e dependente do divórcio a ser concedido ou não pelo marido,  Alexei Alexandrovich. Anna Karienina entendia que só assim poderia casar com Vrónksy e regularizar a situação de ambos perante a sociedade russa.

Enquanto Anna lutava para manter o interesse de Vrónsky em si mesma, ele estva mais focado em suas atividades profissionais, agora como senhor das terras da família, e em reafirmar a própria liberdade.

Vrónski viera à eleição porque estava entediado de ficar no campo, porque precisava manifestar seu direito à liberdade perante Anna.


Leitura que segue para a Parte VII! 😉

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