31 dezembro 2017

Macunaíma, o herói sem nenhum caráter


Sempre gostei das aulas de literatura e, apesar da maior afinidade com os textos produzidos nos períodos Romântico e Realista, a curiosidade, ainda à época escolar, me levava a buscar mais informações sobre autores, estilos e personagens que não necessariamente fossem aqueles que despertavam meu interesse de maneira natural.

Estar diante de uma obra que tem como personagem a figura do anti-herói com características tipicamente brasileiras, ou seja, aquela figura que vai de encontro ao modelo idealizado de homem perfeito inspirado nos europeus é de destaque por si só. Esta obra é Macunaíma, o herói sem nenhum caráter, de Mário de Andrade, um dos ícones do movimento modernista nacional e da Semana de Arte Moderna de 1922.

Porém, apesar do interesse e curiosidade natural que os relatos sobre o livro causavam, só tinha lido fragmentos do mesmo. Antes tarde do que nunca, essa situação foi corrigida e conclui hoje, no último dia do ano de 2017, a leitura deste texto clássico da literatura brasileira e, confesso, foi uma experiência que exigiu esforço.

Li a versão em e-book da coleção Clássicos da Literatura, da editora Ciranda Cultural, composta por 17 capítulos, o epílogo e mais cinco texto complementares, incluindo questões de vestibular baseadas nesta obra de Mário de Andrade.

O esforço para dar continuidade e concluir a leitura se deveu ao fato de o texto ser escrito em linguagem coloquial e, em sua maior parte, composto por expressões indígenas com as quais faltam afinidade.

Sobre esta dificuldade, a literatura revela que o objetivo de Mário de Andrade era mostrar, a partir das características regionais e dos mitos nacionais, a formação do homem brasileiro que, como Macunaíma, tem origem indígena, e foi transformado pela miscigenação que caracteriza metrópoles como São Paulo (e o Brasil!), onde se desenrola maior parte do enredo.

O livro conta a história de vida de Macunaíma, que nasceu em uma tribo indígena, ao que tudo indica, da Amazônia, e que, por preguiça, só começou a falar aos seis anos. Desde a infância demonstrou que só não tinha preguiça para o sexo. Fora isso, cresceu buscando caminhos mais curtos para atender aos próprios desejos e necessidades.

Macunaíma ficou muito contrariado. Ter de trabucar, ele, herói!... Murmurou desolado: - Ai! Que preguiça!...

Nesta trajetória, perde o amuleto (muiraquitã) que ganhou da protetora da mata para um colecionador e decide ir em busca dele para reaver a pedra. No caminho da Amazônia para São Paulo, Macunaíma e os irmãos revivem lendas e folclores nacionais, atravessando o País, do Nordeste e do Sul, que se apresentam a eles como obstáculos para recuperar a joia e que, nem sempre (ou quase nunca) foram superados de forma honesta.

Cidade é belíssima, e grato o seu convívio. Toda cortada de ruas habilmente estreitas e tomadas por estátuas e lampiões graciosíssimos e de rara escultura; tudo diminuindo com astúcia o espaço formal tal, que nessas artérias não cabe população. Assim se obtém o efeito dum grande acúmulo de gentes, cuja estimativa pode ser aumentada à vontade, o que é propício às eleições que são invenção dos inimitáveis mineiros, ao mesmo tempo que os edis dispõem de largo assunto com que ganhem dias honrados e a admiração de todos, com surtos de eloquência do mais puro estilo e sublimado valor.

As relações construídas e o caráter do herói -  questionado desde o título da obra -  são explicados pelas relas questões culturais do Brasil, estas sim, fios condutores da narrativa que se propõe a mostrar a contribuição dos Estados da Federação para justificar o que e porque somos como somos. O Rio Grande do Norte também é citado na obra, a partir das passagens de Macunaíma por Natal e Mossoró.

A relevância desta perspectiva antropológica da obra foi de encontro ao que ficou marcado na minha memória, a partir de relatos de professores e leituras anteriores, a respeito da ênfase no herói, puramente. Não é bem por aí, mas esta constatação só reforça a importância de lermos as obras e tirarmos nossas próprias conclusões, ao invés de ficarmos somente com o que nos dizem sobre elas.

Controvérsias a parte, esta não foi uma leitura que gostei de fazer, mas sabendo da sua relevância literária, sabia que valeria o esforço. Mais do que isso, conhecer esta obra reforçou meu desejo de conhecer mais o Brasil e o povo brasileiro, pela literatura, seja ficção ou não-ficção, pois registros assim, nos ensinam muito sobre nós mesmos.

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