Publicado pela primeira vez em 1999, o livro Estação Carandiru, escrito por Dráuzio
Varella, é uma daquelas obras de não-ficção indigesta, mas totalmente necessária
para conhecermos o Brasil como ele realmente é. Esta edição da Companhia das
Letras de Bolso conta com 230 páginas e está na sexta reimpressão, desde 2005.
Dráuzio Varella é médico especialista em oncologia e desde
1989 presta trabalho voluntário ao sistema carcerário brasileiro. Por meio do
relato de experiência dele, o leitor é apresentado a Casa de Detenção de São
Paulo, conhecida como Carandiru por estar situada no bairro de mesmo nome, em São
Paulo. O prédio, inaugurado em 1920, foi desativado e parcialmente destruído em
2002.
Mais do que apresentar a estrutura física e a forma de
funcionamento do Carandiru, Dráuzio Varella conduz o leitor pelos caminhos que
orientam a vida dos cerca de sete mil detentos que viviam no presídio à época
em que já atuava como médico no local.
Como as relações entre os presos e os funcionários do
sistema prisional brasileiro acontecem, as leis que regem as relações dentro e
fora do presídio estabelecidas, a corrupção, a precariedade em absolutamente
todas as dimensões possíveis para qualquer ser humano, os indivíduos que são
mais do que os números que representam à sociedade, as famílias, a falta de dignidade
predominante e como, apesar disso, a vida seguiu sendo vivida.
Esses são alguns dos temas abordados no livro que nos coloca
diante de uma realidade que não queremos ver, a daquela parcela da população que
representa parte da base da sociedade brasileira, sob diversos aspectos.
Sob as perspectivas médica e humana, Dráuzio Varella revela que
a epidemia de Aids o levou a realizar palestras educativas na Casa de Detenção,
mas a constatação da gravidade da situação a partir de dados epidemiológicos,
falta de infraestrutura e humana, o levaram a ampliar a atuação e dedicar parte
do seu tempo ao atendimento ambulatorial, mesmo diante de todas as condições adversas.
Naquela época, eu tinha vinte anos de experiência clinica com doentes graves e terminais, e a impressão de conhecer o ambiente da cadeia. Mesmo assim, fiquei chocado. Passei a semana introspectivo e desinteressado dos acontecimentos sociais, as lembranças da enfermaria indo e voltando. Minha mulher disse que nunca me viu tão calado.
Em um texto fluido e gostoso de ler, Dráuzio Varella nos
leva a refletir sobre a real possibilidade – cada vez mais próxima – de os
turbilhões que representam os presídios brasileiros explodirem, tendo em vista
que as estruturas só são mantidas, como bem relatado nesta obra, porque os
presos as mantêm coesas, fechadas e funcionando. Não é por acaso que eles são
organizados.
No dia 2 de outubro de 1992, morreram 111 homens no pavilhão Nove, segundo a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinquenta, contados os que saíram feridos e nunca retornaram. Nos números oficiais não há referência a feridos. Não houve mortes entre os policiais militares.
Estação Carandiru recebeu
o prêmio Jabuti - o mais importante prêmio do livro brasileiro - de melhor livro de não-ficção do ano 2000,
além de ter sido adaptado para o cinema, em 2003, no filme Carandiru.
Leitura mais do que recomendada!
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