19 dezembro 2017

Estação Carandiru


Publicado pela primeira vez em 1999, o livro Estação Carandiru, escrito por Dráuzio Varella, é uma daquelas obras de não-ficção indigesta, mas totalmente necessária para conhecermos o Brasil como ele realmente é. Esta edição da Companhia das Letras de Bolso conta com 230 páginas e está na sexta reimpressão, desde 2005.

Dráuzio Varella é médico especialista em oncologia e desde 1989 presta trabalho voluntário ao sistema carcerário brasileiro. Por meio do relato de experiência dele, o leitor é apresentado a Casa de Detenção de São Paulo, conhecida como Carandiru por estar situada no bairro de mesmo nome, em São Paulo. O prédio, inaugurado em 1920, foi desativado e parcialmente destruído em 2002.

Mais do que apresentar a estrutura física e a forma de funcionamento do Carandiru, Dráuzio Varella conduz o leitor pelos caminhos que orientam a vida dos cerca de sete mil detentos que viviam no presídio à época em que já atuava como médico no local.

Como as relações entre os presos e os funcionários do sistema prisional brasileiro acontecem, as leis que regem as relações dentro e fora do presídio estabelecidas, a corrupção, a precariedade em absolutamente todas as dimensões possíveis para qualquer ser humano, os indivíduos que são mais do que os números que representam à sociedade, as famílias, a falta de dignidade predominante e como, apesar disso, a vida seguiu sendo vivida.

Esses são alguns dos temas abordados no livro que nos coloca diante de uma realidade que não queremos ver, a daquela parcela da população que representa parte da base da sociedade brasileira, sob diversos aspectos.

Sob as perspectivas médica e humana, Dráuzio Varella revela que a epidemia de Aids o levou a realizar palestras educativas na Casa de Detenção, mas a constatação da gravidade da situação a partir de dados epidemiológicos, falta de infraestrutura e humana, o levaram a ampliar a atuação e dedicar parte do seu tempo ao atendimento ambulatorial, mesmo diante de todas as condições adversas.

Naquela época, eu tinha vinte anos de experiência clinica com doentes graves e terminais, e a impressão de conhecer o ambiente da cadeia. Mesmo assim, fiquei chocado. Passei a semana introspectivo e desinteressado dos acontecimentos sociais, as lembranças da enfermaria indo e voltando. Minha mulher disse que nunca me viu tão calado.


Em um texto fluido e gostoso de ler, Dráuzio Varella nos leva a refletir sobre a real possibilidade – cada vez mais próxima – de os turbilhões que representam os presídios brasileiros explodirem, tendo em vista que as estruturas só são mantidas, como bem relatado nesta obra, porque os presos as mantêm coesas, fechadas e funcionando. Não é por acaso que eles são organizados.

No dia 2 de outubro de 1992, morreram 111 homens no pavilhão Nove, segundo a versão oficial. Os presos afirmam que foram mais de duzentos e cinquenta, contados os que saíram feridos e nunca retornaram. Nos números oficiais não há referência a feridos. Não houve mortes entre os policiais militares.


Estação Carandiru recebeu o prêmio Jabuti - o mais importante prêmio do livro brasileiro -  de melhor livro de não-ficção do ano 2000, além de ter sido adaptado para o cinema, em 2003, no filme Carandiru.

Leitura mais do que recomendada!

Nenhum comentário:

Postar um comentário