15 dezembro 2017

Um olhar de passageiro


Sem carro e sem pressa, segui para meu destino no ônibus que, por tantos anos, foi meu meio de transporte. A experiência me fez voltar no tempo, apesar da inexistência do cobrador, do exercício da dupla função pelo motorista e do preço da passagem (R$ 3,35), próximo ao de um litro de gasolina (R$ 4,03).

No trajeto, o mesmo de décadas atrás, a paisagem pouco mudou em boa parte do percurso. A constatação revela que o investimento público não chegou nos lugares que mais precisam e que a população – responsável pela manutenção da estrutura do Estado -  continua se virando como pode e dando as repostas que os governos, por incapacidade e/ou inabilidade, permanecem sem dar.

O motorista-cobrador para o ônibus e cumprimenta com entusiasmo um colega de profissão que sobe acompanhado de um adolescente, filho, talvez. Com o carro já em movimento, os dois rodoviários discutem sobre as chapas que concorrem à presidência do sindicato.

Enquanto para um é claro que a chapa 1 representa os interesses dos empresários, a chapa 2 é a fiel representação dos trabalhadores. O motorista que nesta viagem estava como passageiro assume que está trabalhando pela chapa 1 por causa dos filhos, envolvidos com o candidato à presidência. Ressalta ainda que tem objeções ao candidato, ex-vereador da cidade, que durante o período como legislador municipal, nada fez pela categoria.

O motorista-cobrador aproveitou as revelações do colega para sugerir que ele trabalhasse para a chapa 1, mas votasse na chapa 2. Pensativo, de cabeça baixa, o motorista-passageiro reponde: “Se eu fizer isso, estarei mentindo. Não posso agir assim”, declarou.

Segundos de silêncio se fizeram até que a parada na qual o motorista-passageiro e o adolescente que o acompanhava desceriam se aproximasse. Os colegas de trabalho se despediram e a viagem continuo deixando, ao menos em mim, um sentimento de que, certamente, a nossa vida em coletividade seria bem diferente se momentos de debates respeitosos e importantes reflexões sobre valores fossem mais frequentes no nosso cotidiano.

Segui observando as vias, as pessoas e seus costumes, e me dando conta de como é bom poder ser apenas observador do cotidiano e o quanto seria mais feliz se tivéssemos transporte público de qualidade à nossa disposição.

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