Sem carro e sem pressa, segui para meu destino no ônibus que,
por tantos anos, foi meu meio de transporte. A experiência me fez voltar no
tempo, apesar da inexistência do cobrador, do exercício da dupla função pelo
motorista e do preço da passagem (R$ 3,35), próximo ao de um litro de gasolina
(R$ 4,03).
No trajeto, o mesmo de décadas atrás, a paisagem pouco mudou
em boa parte do percurso. A constatação revela que o investimento público não chegou
nos lugares que mais precisam e que a população – responsável pela manutenção da
estrutura do Estado - continua se virando
como pode e dando as repostas que os governos, por incapacidade e/ou inabilidade,
permanecem sem dar.
O motorista-cobrador para o ônibus e cumprimenta com entusiasmo
um colega de profissão que sobe acompanhado de um adolescente, filho, talvez. Com
o carro já em movimento, os dois rodoviários discutem sobre as chapas que
concorrem à presidência do sindicato.
Enquanto para um é claro que a chapa 1 representa os
interesses dos empresários, a chapa 2 é a fiel representação dos trabalhadores.
O motorista que nesta viagem estava como passageiro assume que está trabalhando
pela chapa 1 por causa dos filhos, envolvidos com o candidato à presidência. Ressalta
ainda que tem objeções ao candidato, ex-vereador da cidade, que durante o
período como legislador municipal, nada fez pela categoria.
O motorista-cobrador aproveitou as revelações do colega para
sugerir que ele trabalhasse para a chapa 1, mas votasse na chapa 2. Pensativo,
de cabeça baixa, o motorista-passageiro reponde: “Se eu fizer isso, estarei
mentindo. Não posso agir assim”, declarou.
Segundos de silêncio se fizeram até que a parada na qual o
motorista-passageiro e o adolescente que o acompanhava desceriam se aproximasse.
Os colegas de trabalho se despediram e a viagem continuo deixando, ao menos em
mim, um sentimento de que, certamente, a nossa vida em coletividade seria bem
diferente se momentos de debates respeitosos e importantes reflexões sobre valores
fossem mais frequentes no nosso cotidiano.
Segui observando as vias, as pessoas e seus costumes, e me
dando conta de como é bom poder ser apenas observador do cotidiano e o quanto
seria mais feliz se tivéssemos transporte público de qualidade à nossa disposição.
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