Mesmo quem não assistiu a novela exibida pela Globo na
década de 1980, já ouviu falar na Viúva Porcina, Sinhozinho Malta e no jargão
que o popularizou: Tou certo ou tou
errado?
Personagens principais da peça Roque Santeiro ou Berço do Herói, de Dias Gomes, publicada em 2015
pela editora Nova Fronteira, como parte da coleção Saraiva de Bolso, com 139
páginas, eles nos levam pela história da cidade Asa Branca, no interior da
Bahia, que registrou grande desenvolvimento a partir da figura de um
conterrâneo, considerado herói de guerra, o cabo Roque.
Porcina era a viúva do Cabo que, além de herói em consequência
da participação de destaque na Segunda Guerra Mundial, segundo informações e condecorações
concedidas pelo Exército Brasileiro, era considerado praticamente um santo e
passou a ser atrativo turístico à cidade.
Malta, enquanto deputado federal, era o responsável pelo
levantamento de recursos federais a serem investidos na cidade, em nome do
desenvolvimento, e era também quem dava as cartas na cidade, que tinha como
prefeito, seu Abelha, uma marionete do deputado e da viúva, que mantinham um
caso.
Durante 15 anos, toda a cidade de Asa Branca lucrou sobre a
morte do cabo Roque, do padre às prostitutas. Até que Roque volta para Asa
Branca e desperta nos detentores do poder político e econômico a ira por não ter
morrido heroicamente durante o conflito, como registrado pelos militares.
De fato, Roque esteve na Guerra como integrante da Força
Expedicionária Brasileira, mas desertou. No período em que foi considerado
morto, viajou pela Europa até conseguir retornar à cidade natal e descobrir que
era considerado o que nunca foi como, por exemplo, marido de. Porcina.
Malta, que era amante de Porcina, conseguiu documentos
falsos para provar o relacionamento entre ela e o Cabo o que garantiu a viúva –
que era sem nunca ter sido - a pensão pela
morte do marido e o respeito da cidade.
Para tentar solucionar o caso, Malta manda buscar no Rio de
Janeiro, um general do Exército para orientar como a cidade deve proceder, já
que Roque se recusa a voltar para a Europa.
Quem chega à Asa Branca é o general que foi o comandante do batalhão
do qual Roque desertou. O militar foi o responsável pela descrição da morte heroica
de Roque, da concessão de honrarias militares, como o nome de um batalhão, e a publicação
de um livro com relato do embate que resultou na morte do herói.
A verdade é que não tem nenhum sentido ele estar vivo. É uma vergonha para o exército e um contrassenso. A morte dele consta da ordem do dia 18 de setembro de 1944 do 6° Regimento de Infantaria. Foi uma morte heroica, apontada como exemplo de bravura do nosso soldado. Atentem bem os senhores no que isso significa: há um batalhão com o nome dele. Isso é definitivo. Para o Exército, ele está morto e deve continuar assim.
Em um momento no qual o governador do Rio Grande do Norte
afirma ter doado 30 santos ao povo, testemunhamos diariamente os desmandos
políticos em todos os níveis de governo e que há quem almeje intervenção militar,
vale muito a leitura desta obra publicada pela primeira vez em 1965 e censurada
pela Ditadura Militar por mais de duas décadas, apesar da resistência da classe
artística.
Enquanto outros valiam-se desse pretexto para justificar a sua não participação numa luta à qual nenhum verdadeiro intelectual, nenhum artista, pode furtar-se – a luta pela liberdade de expressão. Porque é isso que está em causa, e não uma peça, um espetáculo teatral. Quem não entendeu isso não entendeu nada. Ou talvez não quisesse entender...
Mais de 50 anos depois, texto e contexto totalmente atuais.
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