06 outubro 2017

Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária


Vamos falar sobre a hipocrisia da sociedade? Este é o convite que Nelson Rodrigues nos faz no texto Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária que estreou no Teatro Maison de France, no Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 1962.

Edgard é um homem simples que trabalha na mesma empresa há 11 anos até que um dia o chefe propõe a ele que se case com sua filha mais nova. A justificativa para tal proposta, que teria como contrapartida um retorno financeiro considerável, estava no fato de a menina ter sido vítima de estupro.

Por ser uma família da alta classe carioca, casar a filha sem que ela fosse virgem era impossível. O matrimonio arranjado seria a solução para os problemas da família.

O problema é que Edgar é apaixonado pela vizinha, Ritinha, que trabalha como professora e sustenta a mãe e as três irmãs sob rígida disciplina.

Sem ter muita certeza do que fazer, Edgard recorda a frase atribuída ao jornalista Otto Lara Resende que vem consumindo seus pensamentos desde que a proposta lhe fora feita e diz:

O mineiro só é solidário no câncer.


Apesar desta frase ser considerada por muitos uma piada, para Edgard o significado pela é mais amplo.

Mas olha a sutileza. Não é bem o mineiro. Ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor, qualquer um só é solidário no câncer. Compreendeu?

Edgard se compadece da situação de sofrimento de Maria Cecília, a filha mais nova do patrão, de quem aceita ficar noivo, apesar de não ter coragem de depositar o cheque que recebeu para firmar o compromisso com a menina.

Com o passar dos dias, Edgard descobre que, na verdade, Ritinha não é professora, mas sim prostituta. Atividade que passou a exercer depois de ter sido abusada pelo patrão da mãe, que exigiu favores sexuais para livrar a mulher de falsa acusação de roubo. Sem cumprir a promessa, o homem cobrou a reposição do dinheiro para que a mãe de Ritinha não fosse presa.

A prostituição foi o caminho para levantar o dinheiro. Mas a experiência a qual foi submetida a levou a impor as regras de conduta e convivência para as irmãs, para evitar que elas passassem por situações similares e tivessem condições de firmar bons casamentos.

O sonho de Ritinha se desfez quando o então namorado de uma das irmãs leva as três para uma festa no Leblon que, por coincidência, era patrocinada pelo pai de Maria Cecília para a alta sociedade carioca e que teria como atração as três irmãs como virgens a serem perseguidas e abusadas sexualmente.

Edgard estava na festa e quando soube o que aconteceria, preferiu sair, pois foi informado pelo futuro concunhado que nada poderia fazer. Edgard não sabia quem eram as meninas. Mas, nesta noite, descobriu que, na verdade, Maria Cecília de fato foi estuprada, mas a pedido dela mesma, que mantinha um caso com o marido da irmã que, por sua vez, tinha um amante sobre o qual o marido estava ciente.

A farsa com a qual Edgard se depara o leva a decidir tirar Ritinha da vida de prostituta e queimar o cheque, pois crê que é melhor passar dificuldades e lutar para superá-las do que ignorar os próprios valores e admitir ser mais um mau caráter neste mundo.

Mas hoje em dia. Escuta. No Brasil, quem não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte. O Otto está certo. O mineiro só é solidário no câncer.

Prepare-se para um soco no estômago e se joga na leitura!

Apoio à Leitura

No texto de apresentação da peça, escrito por Flávio Aguiar, o autor traz uma breve explanação sobre o estilo modernista de Nelson Rodrigues, bem como sobre as influências literárias desta obra. Flávio Aguiar cita, entre outras O Guarani e Lucíola, ambas de José de Alencar, e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas, já incluídas na lista de livros a serem lidos.

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