Vamos falar sobre a hipocrisia da sociedade? Este é o
convite que Nelson Rodrigues nos faz no texto Otto Lara Resende ou Bonitinha, mas ordinária que estreou no Teatro
Maison de France, no Rio de Janeiro, em 28 de novembro de 1962.
Edgard é um homem simples que trabalha na mesma empresa há
11 anos até que um dia o chefe propõe a ele que se case com sua filha mais
nova. A justificativa para tal proposta, que teria como contrapartida um
retorno financeiro considerável, estava no fato de a menina ter sido vítima de
estupro.
Por ser uma família da alta classe carioca, casar a filha
sem que ela fosse virgem era impossível. O matrimonio arranjado seria a solução
para os problemas da família.
O problema é que Edgar é apaixonado pela vizinha, Ritinha,
que trabalha como professora e sustenta a mãe e as três irmãs sob rígida
disciplina.
Sem ter muita certeza do que fazer, Edgard recorda a frase atribuída
ao jornalista Otto Lara Resende que vem consumindo seus pensamentos desde que a
proposta lhe fora feita e diz:
O mineiro só é solidário no câncer.
Apesar desta frase ser considerada por muitos uma piada,
para Edgard o significado pela é mais amplo.
Mas olha a sutileza. Não é bem o mineiro. Ou não é só o mineiro. É o homem, o ser humano. Eu, o senhor, qualquer um só é solidário no câncer. Compreendeu?
Edgard se compadece da situação de sofrimento de Maria
Cecília, a filha mais nova do patrão, de quem aceita ficar noivo, apesar de não
ter coragem de depositar o cheque que recebeu para firmar o compromisso com a
menina.
Com o passar dos dias, Edgard descobre que, na verdade,
Ritinha não é professora, mas sim prostituta. Atividade que passou a exercer
depois de ter sido abusada pelo patrão da mãe, que exigiu favores sexuais para
livrar a mulher de falsa acusação de roubo. Sem cumprir a promessa, o homem
cobrou a reposição do dinheiro para que a mãe de Ritinha não fosse presa.
A prostituição foi o caminho para levantar o dinheiro. Mas a
experiência a qual foi submetida a levou a impor as regras de conduta e
convivência para as irmãs, para evitar que elas passassem por situações
similares e tivessem condições de firmar bons casamentos.
O sonho de Ritinha se desfez quando o então namorado de uma
das irmãs leva as três para uma festa no Leblon que, por coincidência, era
patrocinada pelo pai de Maria Cecília para a alta sociedade carioca e que teria
como atração as três irmãs como virgens a serem perseguidas e abusadas
sexualmente.
Edgard estava na festa e quando soube o que aconteceria,
preferiu sair, pois foi informado pelo futuro concunhado que nada poderia
fazer. Edgard não sabia quem eram as meninas. Mas, nesta noite, descobriu que,
na verdade, Maria Cecília de fato foi estuprada, mas a pedido dela mesma, que
mantinha um caso com o marido da irmã que, por sua vez, tinha um amante sobre o
qual o marido estava ciente.
A farsa com a qual Edgard se depara o leva a decidir tirar
Ritinha da vida de prostituta e queimar o cheque, pois crê que é melhor passar
dificuldades e lutar para superá-las do que ignorar os próprios valores e
admitir ser mais um mau caráter neste mundo.
Mas hoje em dia. Escuta. No Brasil, quem não é canalha na véspera, é canalha no dia seguinte. O Otto está certo. O mineiro só é solidário no câncer.
Prepare-se para um soco no estômago e se joga na leitura!
Apoio à Leitura
No texto de apresentação da peça, escrito por Flávio Aguiar,
o autor traz uma breve explanação sobre o estilo modernista de Nelson
Rodrigues, bem como sobre as influências literárias desta obra. Flávio Aguiar cita,
entre outras O Guarani e Lucíola, ambas de José de Alencar, e A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas,
já incluídas na lista de livros a serem lidos.
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