13 outubro 2017

Contos Gauchescos e Lendas do Sul


Considerado um dos cem livros essenciais da literatura brasileira em lista publicada pela Revista Bravo no ano de 2006, Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de João Simões Lopes Neto, é uma das obras que marcam o regionalismo nacional.

No livro, que teve sua primeira publicação em 1926, o autor oferece ao leitor a oportunidade de conhecer não apenas as tradições e lendas gaúchas, que levam ao imaginário popular a percepção de que o gaúcho é um homem rude, em consequência da vivencia no campo, mas também a linguagem e costumes característicos da região.

O aspecto linguístico é, sem dúvida, um desafio ao leitor que não conhece as expressões regionais. Mas, se por um lado os termos utilizados representam um desafio, por outro tornam a leitura mais divertida e envolvente na medida em que nos familiarizamos com o significado e o contexto utilizados.

Além de nos colocar em contato com o gaúcho, em sua essência, João Simões traz aspectos e personagens que marcaram a história não só do Rio Grande do Sul, mas do Brasil, ao revelar aspectos de movimentos como a Guerra dos Farrapos e a do Paraguai, por exemplo, e da participação de personagens como Bento Gonçalves e o Marechal Deodoro da Fonseca, entre outros, em tais eventos. A influência dos espanhóis na região também é destacada no livro.

Composto por 19 contos e três lendas, o livro pode ser lido tanto de maneira aleatória, como linear. Porém, na apresentação desta edição publicada pela editora Nova Fronteira, que integra a coleção Saraiva de Bolso, escrita pelo crítico literário e professor titular de Literatura Brasileira da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Flávio Loureiro Chaves, é sugerido que a melhor opção é a da leitura linear para acompanhar o desenvolvimento das aventuras de Blau Nunes, o narrador da obra.

Magia, misticismo, fé, crença e cultura populares, mitos, guerras, amor, valores e caráter são alguns dos elementos trabalhados ao longo do texto e que nos ajudam a perceber a riqueza que é viver em um país continental como o Brasil, recheado pelos mais diversos tipos de gente e formas de conexão.

Leitura mais que indicada em especial em um período de prevalência da intolerância em relação a diversidade que tanto nos caracteriza enquanto nação!



Artigos de fé do gaúcho

Muita gente anda no mundo sem saber pra quê: vivem, porque veem os outros viverem.
Alguns aprendem à sua custa, quase sempre já tarde para um proveito melhor. Eu sou desses.
Pra não suceder assim à vancê, eu vou ensinar-lhe o que os doutores nunca hão de ensinar-lhe por mais que queimem as pestanas deletreando nos seus livrões. Vancê note na sua livreta:
1º Não cries guaxo: mas cria perto do teu olhar o potrilho pro teu andar.
2º Doma tu mesmo o teu bagual: não enfrenes na lua nova, que fica babão; não arrendes na minguante, que te sai lerdo.
3º Não guasqueies sem precisão nem grites sem ocasião: e sempre que puderes passa-lhe a mão.
4º Se és maturrango e chasque de namorado, mancas o teu cavalo, mas chegas; se fores chasque de vida ou morte, matas o teu cavalo e talvez não chegues.
5º A maior pressa é a que se faz devagar.
6º Se tens viajada larga não faças pular o teu cavalo; sai ao tranco até o primeiro suor secar; depois ao trote até o segundo; dá-lhe um alce sem terceiro e terás cavalo para o dia inteiro.
7º Se queres engordar o teu cavalo, tira-lhe um pelo da testa todas as vezes da ração.
8º Fala ao teu cavalo como se fosse a gente.
9º Não te fies em tobiano, nem bragado, nem melado; pra água, tordilho; pra muito, tapado; mas pra tudo, tosado.
10º Se topares um andante com arreios às costas, pergunta-lhe - onde ficou o baio?...
11º Mulher, arma e cavalo do andar, nada de emprestar.
12º Mulher, de bom gênio; faca, de bom corte; cavalo, de boa boca; onça de bom peso.
13º Mulher sardenta e cavalo passarinheiro... alerta, companheiro!...
14º Se correres eguada xucra, grita; mas com os homens apresilha a língua.
15º Quando dois brincam de mãos, o diabo cospe vermelho...
16º Cavalo de olho de porco, cachorro calado e homem de fala fina... sempre de relancina...
17º Não te apotres, que domadores não faltam...
18º Na guerra não há esse que nunca ouviu as esporas cantarem de grilo...
19º Teima, mas não apostes; recebe, e depois assenta; assenta, e depois paga...
20º Quando ‘stiveres pra embrabecer, conta três vezes os botões da tua roupa...
21º Quando falares com homem, olha-lhe para os olhos; quando falares com mulher, olha-lhe para a boca... e saberás como te haver...
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Que foi?
Ah! Quebrou-se a ponta do lápis?
Amanhã vancê escreve o resto: olhe que dá para encher um par de tarcas!...

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