Em um prefácio publicado edição norte-americana de 1928 de Mrs. Dollaway, a autora da obra, a
inglesa Virgínia Woolf, explica que para o leitor pouco importa a fórmula ou a forma
na qual um romance é estruturado, pois, segundo ela, ele está preocupado apenas com o efeito do livro como um todo em sua
mente.
Publicado pela primeira vez em maio de 1925, o romance Mrs. Dollaway, é desenvolvido com base no
fluxo de consciência das personagens que se cruzam naquele dia de junho de 1923,
enquanto Clarissa Dollaway se preocupa com as flores e os demais detalhes do
jantar que oferecerá à sociedade londrina naquela noite.
Enquanto passeia pelas ruas de Londres e nos aposentos de
sua casa, Clarissa – típica representante da sociedade burguesa da época e,
justamente por isso, admirada como modelo de felicidade pela família estruturada
e bem-sucedida – nos permite acompanhar os pensamentos, as angustias, as
dúvidas, as questões existenciais que a envolvem diariamente.
A corrente fria das impressões visuais faltava-lhe, agora, como se o olho fosse uma taça que tivesse transbordado e a sobra tivesse simplesmente escorrido pelas bordas de porcelana sem ser notada. Agora, o cérebro deve acordar. Agora, o corpo deve se contrair e entrar na casa, na casa iluminada, cuja porta estava aberta e diante da qual estacionavam carros a motor de onde desciam mulheres fulgurantes: a alma deve encher-se de coragem para poder resistir.
Paralelamente aos questionamentos sobre si mesma, sobre o
outro e o sentido da própria vida que Clarissa se faz, Virgínia Woolf apresenta
Septimus, um homem traumatizado pela primeira guerra mundial que, enquanto
Clarissa segue para a floricultura, ele segue para a consulta com o psiquiatra.
No caminho, Clarissa encontra Peter Walsh, amigo de infância
por quem foi apaixonada, mas apesar do sentimento recíproco, opta por não casar
com ele. Clarissa escolhe Richard Dollaway por ser a escolha racionalmente correta
a fazer. Apesar de Peter ser o verdadeiro amor dela, Richard representava a segurança
financeira e social que precisava.
A escolha marcou a vida de ambos, inclusive a de Sally
Seton, amiga dos três à época da adolescência e com quem sempre tiveram
cumplicidade. Clarissa representava o modelo socialmente aceito. Sally a transgressão,
inclusive por despertar a paixão de outras mulheres.
Quando somos jovens, disse Peter, estamos demasiadamente agitados para poder conhecer as pessoas. Agora que estamos velhos, cinquenta e dois para ser exato (Sally tinha cinquenta e cinco, fisicamente, disse ela, mas seu coração era de uma garota de vinte); agora que somos maduros, então disse Peter, podemos observar, podemos compreender, e sem ter perdido a capacidade de sentir, disse.
O reencontro no dia do jantar acontece mais de 30 anos
depois da decisão de Clarissa. O grupo, de uma forma ou de outra manteve
contato e, apesar da distância física, era como se a amizade e os sentimentos
nunca tivessem deixado de existir.
Os diálogos revelados são intercalados ao longo da obra com
o fluxo de pensamento de cada um daqueles com os quais as personagens cruzam em
seu caminho. Lembranças, percepções sobre o outro, sentimentos e emoções são
aflorados e remexidos e revividos na certeza de que se o tempo é capaz de
ajudar o ser humano a encontrar formas de conviver com cada uma dessas sensações
não é capaz de extinguir a causa delas.
‘Também vou’, disse Peter, mas ficou sentado por um momento. Que terror é esse? Que êxtase é esse? Disse para si. O que é isso que me enche de uma agitação extraordinária? É Clarissa, disse. Pois ali estava ela.
Mais do que isso, o livro revela que o prejulgamento que
fazemos da vida do outro não condiz, necessariamente – ou quase nunca - com a realidade que cada indivíduo vive. As
angustias, expectativas, esperanças, amores e desamores que baseiam nossas escolhas
são apenas nossas.
Neste sentido, Clarissa e Septimus enfrentam as mesmas
angustias, porém, de formas diferentes. Enquanto ela precisa ser lembrada pela
sociedade como alguém feliz, ele precisa encurtar o sofrimento e assim encontra
no suicídio a saída, enquanto Clarissa teme até mesmo pensar na morte.
A morte era um ato de rebeldia. A morte era uma tentativa de se comunicar; pois as pessoas sentiam a impossibilidade de atingir o centro, o qual misteriosamente, lhes escapava; a intimidade virava separação; o arrebatamento extinguia-se, ficava-se só. Havia um abraço na morte.
Esta é uma obra que trata sobre a existência humana, o
significado da vida para o próprio indivíduo, as consequências das escolhas que
fazemos e como elas resultam em impacto em todos e não apenas em quem as toma.
Mais um livro inspirador e envolvente de Virgínia Woolf que,
como poucos, dominou a arte da escrita capaz de causar efeitos significativos
na mente do leitor. Vale muito a leitura e esta edição publicada pela Autêntica Editora é um atrativo a mais!💗
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