Escrito na segunda metade do século XIX, o leitor de Anna Kariênina é colocado em em contato, por Liev Tolstói, com uma Rússia marcada por conflitos
internos, externos, reformas estruturais e sociais.
O romance composto por mais de 800 páginas é dividido em
oito partes nas quais são reveladas a trama que envolve as relações conjugais
que representam a sociedade da época, assim como as transformações que marcam o
período.
Na primeira parte da obra, Tolstói nos apresenta o conflito
vivenciado na família de Stiepan Arcáditch, depois que a mulher, Dolly,
descobre a infidelidade do marido e, para salvar o casamento, pede que a irmã,
Anna Kariênina, passe alguns dias em sua casa para convencer Dolly a perdoá-lo.
Nesse mesmo período, Liévin confessa ao amigo Stiepan
Arcáditch o desejo de casar com Kitty, irmã de Dolly, mas é alertado que a moça
também tem outro pretendente, o jovem Vrónski, o preferido da mãe de Kitty e
repugnado pelo pai. Apesar de demonstrar interesse em Kitty, Vrónski não toma a
iniciativa de firmar relacionamento com ela, que rejeita o pedido de casamento
de Liéven, apesar da afeição que sente por ele.
Konstantin Liéven é o protagonista da obra que, além dos
conflitos internos diante do amor por Kitty e o desconforto que a rejeição o
leva a vivenciar, busca restabelecer o convívio com um de seus dois irmãos,
Nikolai, que abriu mão da herança e do contato com a família. O reencontro
deles coloca Liéven diante dos pensamentos socialistas que impulsionam
revoluções e a busca dos camponeses (mujiques) por relações de trabalho e
produção de menos exploração e mais justas.
Nikolai Liévin continuava a falar: – Você sabe que o capital oprime o trabalhador e os nossos trabalhadores, os mujiques, suportam todo o peso do trabalho e são colocados numa tal situação que, por mais que trabalhem, não conseguem sair da sua condição de bestas de carga. Todos os proventos do salário, com os quais poderiam melhorar sua condição, proporcionar a si mesmos algum lazer e, em consequência, obter alguma instrução, todo o dinheiro que sobra lhes é tirado pelos capitalistas. E a sociedade está organizada de tal modo que, quanto mais eles trabalharem, mais os comerciantes e os senhores de terra enriquecerão, enquanto eles serão sempre as bestas de carga. E este regime precisa mudar – concluiu e fitou o irmão, com ar interrogativo.
Diferente do que acontece com Serguei Ivánitch, o outro
irmão de Liéven, o contato com Nikolai e a experiência do amor não
correspondido levam o protagonista a propor a si mesmo a revisão e reformulação
de sua vida a partir da adoção de hábitos e condutas mais simples, apesar de
estar ciente das dificuldades para vivenciar este novo começo.
Sentiu-se inteiro em si mesmo e não queria ser outra pessoa. Agora, só queria ser melhor do que fora antes. Em primeiro lugar, a partir desse dia, resolveu que não alimentaria mais esperanças de uma felicidade extraordinária, a qual deveria vir do casamento e, em consequência, não menosprezaria tanto o seu presente. Em segundo lugar, nunca mais permitiria arrebatar-se por paixões sórdidas, cuja lembrança tanto o martirizara nos momentos em que se preparava para apresentar seu pedido de casamento.
Se Liéven tem o coração partido por Kitty, ela, que tem
grande admiração pelo refinamento, elegância e desenvoltura de Anna Kariênina,
percebe que este sentimento é compartilhado por Vrónski desde a primeira vez
que encontra a cunhada de Stiepan Arcáditch. A atração entre Anna Kariênia e
Vrónski é imediata e perceptível aos olhos de todos, inclusive os do leitor e aos
de Kitty que adoece depois do episódio de humilhação e desgosto em um baile,
durante o qual os dois só tinham olhos um para o outro.
O detalhe deste encontro avassalador é que Anna Karienina é
casada com Aleksiei Aleksándrovitch, com quem tem um filho, Serioja. Ambos
aguardam o retorno da irmã de Stiepan Arcáditch de Moscou para São Peterburgo,
onde moram. Ela retorna, mas Vrónski também vai para São Petesburgo, onde
mantém residência e pretende se inserir no círculo social e na vida de Anna
Kariênina que tenta retomar a rotina, apesar das constantes comparações entre
as características físicas e de personalidade do marido de Vrónski com quem,
até então, dançou algumas valsas e conversou sobre amenidades na presença de
conhecidos e familiares. Anna foge dele, mas o carrega em seus pensamentos.
Anna entendeu, por meio da emoção, que aquela conversa de um minuto os havia aproximado de uma forma terrível; e isso tanto a assustou quanto a alegrou.
E assim Tolstói encerra a primeira parte do livro marcado
por seu texto fluido, envolvente e que desperta o interesse do leitor pelos
desdobramentos dessas histórias que se entrelaçam. É leitura que segue!
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