Um livro intenso, histórico, humano e, por que não dizer,
triste. Dividido em duas partes, A
cerimônia do adeus, escrito e organizado por Simone de Beauvoir, coloca o
leitor em contato com os dez últimos anos de vida de Jean-Paul Sartre, com quem
a autora francesa manteve um relacionamento por cerca de 50 anos.
A primeira parte da obra é baseada no diário que Simone mantinha
e revela, no período entre 1970 e 1980, como a vida pessoal e profissional de
Sartre se misturavam e influenciaram uma a outra (se é que em algum momento é
possível separá-las), na medida em que diversas doenças começam a acometer o
corpo do escritor e ativista político.
Com capítulos divididos por ano, Simone de Beauvoir nos apresenta
o cotidiano de Sartre, a atividade política, jornalística e literária que dava
significado à sua vida, assim como revela as pessoas com as quais mantinha relações
pessoais e profissionais, as viagens, os hábitos de escrita, leitura e vícios.
Ao mesmo tempo em que faz esse relato, a autora revela suas
angústias, expectativas e constatações a respeito tanto das questões pessoais
dele e de si mesma, assim como dos posicionamentos políticos e projetos
adotados, defendidos e rechaçados por ambos.
Sartre era passional em tudo o que fazia. Não conhecia
limites e ia à exaustão trabalhando e vivendo os prazeres que o estimulavam a
continuar trabalhando. Excesso de álcool, cigarros e estimulantes levaram o
corpo do escritor a entrar em colapso, ano a ano, até a falência total, em 15
de abril de 1980.
Sartre enfrentou a cegueira progressiva, lapsos de memória,
diabetes, problemas com a pressão, dificuldades de locomoção, entre outras
dificuldades em consequência da saúde debilitada, mas mesmo assim permaneceu
ativo e produtivo, assim como fumando e bebendo. Horas mais, horas menos.
Diante de sua incapacidade de levar a bom termo o que iniciara, literalmente se apoiou nos excitantes, multiplicou de tal maneira suas atividades e ultrapassou suas forças, que tornou inevitável uma crise. Uma das consequências que não previa, e que o horrorizou, foi sua quase cegueira. Mas ele havia desejado conceder-se um repouso e a doença era a única saída para ele.
Atualmente, já não acredito inteiramente nesta hipótese - em certo sentido, muito otimista, já que fazia de Sartre o dono do seu destino. O que é certo é que o drama de seus últimos anos é a consequência de toda a sua vida. É a ele que se podem aplicar as palavras de Rilke: ‘Cada um carrega sua morte em si, coo a fruta seu caroço.” Sartre teve o declínio e a morte que sua vida preparava. E talvez por isso os tenha aceitado tão tranquilamente.
O diário de Simone de Beauvoir é um documento que leva o
leitor à inúmeras pesquisas, ao citar bandeiras de defesa do casal, como a
questão palestina, por exemplo, e casos específicos de discussão que envolveram
este e outros temas com relevante repercussão na imprensa à época; a influência
do pensamento maoísta; as questões feministas; os livros lidos e produzidos; a
relevância de ambos e suas respectivas produções para o século XX,; as
personagens citadas com as quais mantinham relações pessoais e/ou
profissionais, dentro da realidade do casamento aberto que orientava o
relacionamento do casal de escritores, entre outros elementos.
Porém, o que de mais tocante o texto nos apresenta é a
perspectiva humana, tanto de Sartre quanto de Simone de Beauvoir, diante do
sofrimento que as consequências das escolhas dele representavam à sua condição de
saúde e a vida de ambos. A descrição dos fatos nos permite sentir a angústia
sentida por ela. Não é à toa que a habilidade de escrita dela é mundialmente
reconhecida.
Ao mesmo tempo, percebemos e acompanhamos o caminho que ela
percorre, do terror à resignação, ao se dar conta de que aquela realidade nada
mais era do que resultante das escolhas de Sartre. Mas nem mesmo esta constatação
foi capaz de enfraquecer o amor que ela, claramente, nutria por ele e a dor da
perda. Que texto!
Sua morte nos separa. Minha morte não nos reunirá. Assim é: já é belo que nossas vidas tenham podido harmonizar-se por tanto tempo.
Esta edição publicada pela Nova Fronteira, como parte
integrante da coleção Clássicos para Todos, conta com 573 páginas, das quais 169
envolvem esta primeira parte, sendo as demais destinadas às entrevistas de
Sartre entre agosto e setembro de 1974. Leitura que segue!
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