19 junho 2017

Os Jornalistas


A leitura de livros, em especial os clássicos, pede que o leitor observe o contexto que envolvem o período de sua elaboração, assim como a trajetória do autor. Mas não só isso, o contexto no qual nos encontramos no momento em que entramos em contato com a obra também influencia a experiência vivenciada a cada página.

Assim, a releitura nos permite perceber detalhes e perspectivas que no momento anterior não foram identificados. E é o somatório desses detalhes que dá às obras o significado que elas têm em nossas vidas.

Reler “Os Jornalistas”, de Honoré de Balzac, reforçou esta ideia, tendo em vista que à época da primeira leitura, eu vivenciava o Jornalismo diariamente. A minha experiência se confundia com os relatos que Balzac faz dos perfis de Jornalistas que traça, da maneira irônica que caracteriza sua escrita.

Naquele momento, era fácil associar personagens do meu convívio à categorização não muito honrosa apresentada por Balzac. Mesmo assim, não me senti abatida, pois a esperança de mudanças significativas influenciadas pela união e força da categoria mudariam a realidade. Porém, nada disso não aconteceu. O sistema foi mais forte. L

Vale observar que Balzac viveu entre 1799 e 1850 e, apesar dos mais de dois séculos que nos separam, chega a ser deprimente constatar que a classificação que ele fez há tanto tempo dos tipos de jornalistas que atuam no mercado é extremamente pertinente à realidade de um Jornalismo cada vez mais desvirtuado de sua função básica que é ser instrumento de fortalecimento da cidadania. Atualmente, parece estar mais a serviço da deturpação social, o que é triste e impacta diretamente na nova percepção sobre esta obra.

Porém, se de um lado temos a infeliz constatação da aguda decadência da profissão e dos profissionais, ainda perdidos na busca de caminhos que guiem à necessária reconstrução de ambos, de outro, temos a sagacidade de Balzac, revelada em suas palavras visionárias, estruturadas com base em casos que marcaram o período no qual foi testemunha dos fatos.

Aliás, é importante ressaltar que, mesmo Balzac sendo Balzac, este livro, em especial, traz um pouco (?) do ranço do autor, que também foi jornalista, com a categoria e com a elite que a financiava.

As 160 páginas de “Os Jornalistas”, na edição da Ediouro que conta com prefácio de Carlos Heitor Cony, não nos oferecem um texto fluido como os romances, mesmo assim, penso ser uma leitura válida não apenas para quem atua na área, mas para todos nós que pautamos nosso cotidiano pelo que a imprensa nos diz e ainda tempos dificuldades de compreender, por exemplo, como se dá a manipulação da informação que, apesar de não ter nada de invenção contemporânea, é corriqueira em nossos dias. Vale a leitura!


Eis, entre todos estes estraga-papel, o Subgênero mais feliz: ele vive nas folhas como um verme na seda, todo inquieto, como este inseto, em relação a tudo o que tece. Os folhetinistas, apesar do que dize, levam uma vida alegre, reinam nos teatros; são mimados, acariciados! Mas queixam-se do número crescente de estreias, às quais eles assistem em bons camarotes, acompanhados de suas amantes. Coisa estranha! Os livros mais sérios, as obras-de-arte trabalhadas com mais paciência e que custaram noites, meses inteiros, não obtêm nos jornais a menor atenção neles encontrando um silêncio completo; enquanto o último vaudeville do último teatro, as bobagens das Variedades, nascidas de alguns almoços, enfim as peças manufaturadas de hoje, como meias ou panos de pratos, gozam de uma análise completa e periódica. Esse trabalho exige em todos os jornais um redator especial, analista de indecências de la Déjazet, historiador de ensaios caleidoscópios de sete situações incessantemente remexidas em um binóculo de teatro. Este redator, o Panurge do jornal, se queixa como os sultões, de ter prazer demais: tem palácio abarrotado de ambrosia; dobra sob o fardo de quinhentos atos por ano, sobre os quais passeia seu bisturi e que experimenta sua pena. Como um cozinheiro que pede às vezes a água de Sedlitz para reanimar o paladar, ele vai ver os Funâmbulos. Por que este privilégio concedido a esta espuma de vinho de Champagne sobre a arte literária? Isto vem de uma questão mercantil horrível, que revela a imoralidade das concepções legislativas, sob o peso dos quais se encontram todos os jornais.


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