Mattos é um policial honesto que trabalha no Rio de Janeiro
na década de 1950. Formando em Direito, ingressou na Polícia Civil para
completar os cinco anos de experiência profissional e poder concorrer, em concurso
público, ao cargo de juiz. Em sua atuação, procurava seguir as leis que
estudava, tanto para garantir a segurança da sociedade, quanto a integridade
dos presos. Mas isso, nem sempre era bem visto pela categoria que integrava.
Com uma postura que o diferenciava dos colegas de trabalho
por não receber propina e procurar, ao máximo, desenvolver suas atividades de
maneira correta, tornou-se alvo de colegas e daqueles que buscam caminhos mais
curtos para se dar bem na vida e que, por alguma razão ou crime, cruzaram o
caminho de Mattos.
A partir da trajetória do policial, Rubem Fonseca nos
apresenta um relato sobre o Brasil, em agosto de 1954, em especial, os dias e
movimentos que antecederam o suicídio do então presidente da República, Getúlio
Vargas, no dia 24 daquele mês.
As investigações policiais – civis e militares - de dois homicídios se misturam, sendo um
referente a morte de um empresário, em seu apartamento, e o outro do major Vaz,
da Aeronáutica, segurança do jornalista e opositor ferrenho do presidente,
Carlos Lacerda, registrado na rua Toneleiros.
O caso do major Vaz é considerado o estopim para o incremento
da articulação política liderada pelos militares para a destituição de Vargas,
tendo em vista a tentativa de homicídio contra o jornalista, atingido por um
tiro no pé e que culminou com a morte de Vaz, ter tido o tenente Gregório Fortunato,
o Anjo Negro – então chefe da guarda pessoal do presidente - apontado como mandante do crime.
Assim como no caso do assassinato do major Vaz, o suspeito
de matar o empresário Paulo Gomes Aguiar foi identificado como sendo negro e de
características similares as de Gregório Fortunado. O entrelaçar das histórias
dos dois mortos com a do policial Mattos não param por aí.
Acertos e erros de interpretação revelam como mesmo quando
queremos fazer o certo, podemos cometer erros, tendo em vista a limitação do
conhecimento da verdade e a percepção individual de cada fragmento da realidade,
que tende a nos levar por caminhos divergentes, porém não necessariamente certos
ou errados.
A relatividade da vida em sociedade é uma das linhas
essenciais que costura o enredo que traz à tona a capacidade de adaptação que o
homem tem quando seus interesses pessoais por poder, dinheiro e sexo estão em
jogo. Neste ponto, o autor faz um alerta, a partir de um diálogo de Mattos com
outro policial, Pádua:
O gaturama começa levando do bicho, depois leva de todo mundo. Nessa coisa de honestidade, quando o cara perde o cabaço não para mais. Cuidado, qualquer dia esse pulha apanha dinheiro em seu nome.
Além de nos mostrar os bastidores da intriga política e seus
diversos atores, em um texto de realismo social, Rubem Fonseca nos sugere a reflexão
sobre quem é reflexo de quem em nossa sociedade, e se os valores morais tão
defendidos são, de fato, valores, já que quando colocados em seu local de
norteadores de conduta fazem daqueles que assim agem, alvo de perseguição. Contraditório,
no mínimo.
Afinal, os valores morais são valores de quem e para quê
mesmo? Até que ponto é possível e/ou suportável ir de encontro ao que todo
mundo faz?
A traição fazia parte do jogo político. Ainda mais agora, em que a grande imprensa, os militares, os políticos, os estudantes, as classes produtoras, a Igreja, contribuíam, todos, com ardor exaltado para a mazorca que começava a dominar o país.
Um texto de rápida e agradável leitura que, além do romance,
aborda fatos de extrema relevância para o país, seriam razões suficientes para
a leitura deste livro que, nesta edição da Coleção Saraiva de Bolso, publicado
em 2012, pela editora Nova Fronteira, conta com 338 páginas. Porém a atualidade
do tema – que nos faz pensar se estamos lendo sobre os conchavos e debates da
política nacional contemporânea -, torna esta uma leitura necessária, quase que
obrigatória!
Vale cada os minutos dedicados ao texto.
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