A Redoma de Vidro

Esther é uma estudante de Letras, nos Estados Unidos da década de 1950. Aos 19 anos, ela, que é bolsista na universidade, é convidada para passar um mês em Nova York para um estágio em uma revista feminina, na companhia de outras garotas do País, também selecionadas para participar da experiência.

Para Esther, que nunca se encaixou nos padrões sociais por buscar significados pessoais às escolhas feitas, a experiência ficou aquém do esperado, apesar das novidades vivenciadas durante o mês que passou em NY.

A expectativa dela estava mesmo no curso de verão promovido por um escritor famoso, que aconteceria no mês seguinte, para o qual poucos alunos eram aceitos, após a análise de um manuscrito enviado. Apenas aqueles considerados talentosos eram selecionados. Esther tinha certeza que integraria a nova turma.

Na volta para casa, a primeira notícia que recebe da mãe é a de que não foi selecionada para o curso e que, enquanto bolsista, precisava escolher outra atividade para realizar naquele período de recesso universitário.

Escrever era uma das poucas coisas que Esther tinha certeza que fazia bem. Perspicaz na observação da vida e dos indivíduos, rápida nos pensamentos, realista em relação aos seus atributos físicos e intelectuais, queria antes de tudo, desbravar o mundo a partir do seu olhar, sem a necessidade de se submeter a ninguém. Ela queria ser ela mesma, apenas!

Essa é uma das razões por que nunca quis me casar. A última coisa que eu queria da vida era “segurança infinita” ou ser o “lugar de onde a flecha parte”. Eu queria mudança e agitação, queria ser uma flecha avançando em todas as direções, como as luzes coloridas de um rojão de Quatro de Julho.

Quando a negativa para o curso de verão acontece, Esther se perde de si mesma. Começa a questionar sua habilidade para escrever e entra numa espiral de busca de sentido para a própria existência.

Composto por 20 capítulos, o relato de Esther ao longo da narrativa nos leva, até certo ponto, a acompanhar a busca de uma jovem mulher para responder questões para dar sentido à própria existência. Até que, de repente, ela começa a revelar que está há 14, 21, 30 dias sem dormir. Não troca mais de roupa, não se alimenta, não lê, nem escreve.

Esther entra em depressão e passa a relatar as ideias e ações para cometer suicídio, até ser internada em uma clínica psiquiátrica e passar por diversos tratamentos, inclusive com eletrochoque, comum naquele período.

As lembranças, os encontros e desencontros, melhoras e recaídas são narrados por Esther.

Eu odiava aquelas visitas porque sentia que elas ficavam comparando minha obesidade e meu cabelo seco com aquilo que eu havia sido e com o que elas queriam que eu fosse, e eu sabia que saíam de lá completamente desconcertadas. Achei que se me deixassem sozinha eu poderia ter alguma paz.

O livro revela, em um texto intenso, o período de seis meses entre a negativa para ingressar no curso de verão e a expectativa de retorno à universidade, durante o qual a depressão se fez presente e o tratamento aconteceu. Mais do que isso, as relações construídas e reformuladas, assim como a relevância da confiança que algumas pessoas demonstram em momentos como os enfrentados por Esther são relevantes ao enfrentamento e recuperação desta situação que, segundo ela, é como estar sob uma redoma de vidro, que sufoca pensamentos e sentimentos e aprisiona o ser em si mesmo.

Todo o calor e o medo haviam sido expurgados. Eu me sentia surpreendentemente em paz. A redoma de vidro pairava, suspensa, alguns centímetros acima da minha cabeça. Eu estava aberta para o ar que soprava ao meu redor.

Este romance é o único publicado por Sylvia Plath, escritora com trajetória marcada pela poesia, que também fascinava Esther. A Redoma de Vidro é um livro considerado semiautobiográfico, porque, apesar de ter sido publicado sob pseudônimo, retrata a luta da autora contra a depressão e que, em 1963, comete suicídio.

Mas eu não estava indo me casar. Devia haver um ritual para quem nasce pela segunda vez — remendada, recauchutada, pronta para pegar a estrada novamente.

A intensa forma como a narrativa se desenvolve nos coloca diante do fato de que problemas psíquicos podem acometer qualquer um de nós, a qualquer momento. Basta um gatilho, como a rejeição em um curso de verão, capaz de mexer com o significado das coisas em nossas vidas. Por ser um livro que nos obriga a olhar para nós mesmos, em essência, negando os estereótipos, é elogiado e criticado na mesma proporção e, justamente por isso, foi escolhido para a categoria “livro que é muito criticado ou que alguém não gostou”, da Maratona Literária de Inverno 2017 #MLI2017.

O texto de Sylvia Plath é muito fácil de ser lido, prende o leitor do começo ao fim, mas é difícil de digerir por causa da delicadeza do tema abordado sem subterfúgios. Vale muito a leitura, mas se você estiver num momento baixo-astral, deixe para quando esta fase passar! J