Ao ver as notícias e a repercussão a respeito do caos no
sistema prisional brasileiro desde o primeiro dia deste ano, em especial as rebeliões
registradas na penitenciária de Alcaçuz desde o último sábado (14), fico me
perguntando quais seriam os possíveis caminhos para solucionar a situação. A
única certeza é que as sugestões que simplificam o caso não são a resposta
certa.
No livro “Imagens da Organização”, o britânico Morgan Gareth
corrobora com a afirmação acima ao dizer que “tendem a superestimar a facilidade com a qual as técnicas e políticas
possam ser transplantadas de um contexto para outro, porque é o contexto que frequentemente
faz a diferença entre o sucesso e o fracasso. ”
E quando nos damos ao trabalho de analisar o contexto, antes
de simplesmente defender que a solução é matar os presidiários e/ou deixar que se
matem, afinal “bandido bom é bandido morto”, percebemos que foi justamente a
simplificação da situação, tempos atrás, que nos colocou diante do caos que aí
está.
Hoje, o problema que o Estado enfrenta vai muito além da
falta de infraestrutura e sucateamento das polícias, apesar de serem estas as
armas que tem para enfrentar o crime organizado, ou não. É preciso ampliar o
campo de análise e observar um contexto mais amplo, como sugere Gareth.
No Rio Grande do Norte, os presos de Alcaçuz estão fora das
celas desde 2015. Isso significa dizer que só não se rebelaram antes porque não
quiseram. Então, o que mudou? Por que esta carnificina agora? O Estado tem como
controlar?
A edição de 11 de janeiro da revista Veja (sim, eu leio a
Veja) traz cinco matérias e um artigo que abordam o caso das chacinas nos
presídios de Manaus e Roraima, que contabilizaram 91 mortos; perfil do líder da
matança em Manaus; a ação das facções dentro e fora do sistema prisional; o
papelão dos governos e a falácia das medidas a serem adotadas; assim como o
desafio a ser enfrentado pela sociedade para reverter o quadro.
"A saída para a selvageria revelada (...) impõe desafios enormes ao governo e à sociedade" (VEJA 11.01.2017)
As reportagens nos revelam que a causa da barbárie em Manaus
se deve ao fato de o aparelho de segurança nacional ter apertado o cerco contra
o tráfico de cocaína no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, região de fronteira
sob o comando do Primeiro Comando da Capital (PCC), dificultando as transações
comerciais desta facção.
Por causa disso, o PCC passou a ter interesse na chamada
Rota do Solimões – que envolve um conjunto de rios da Amazônia - por onde escoa
a cocaína produzida na Colômbia e no Peru. Porém, esta Rota é comandada pela
Família do Norte (FDN), facção que determinou as mortes dos integrantes do PCC
em Manaus e Roraima.
"A prisão é, por natureza, território do Estado. (...). O Estado é o senhor absoluto dentro de um presídio. E a constatação de que as prisões brasileiras são trincheiras de facções criminosas, que se articulam dentro e fora dos presídios, diz tudo a respeito da espetacular falência do Estado." (VEJA 11.01.2017)
Ainda segundo com a Veja, a cocaína que é transportada pela
Rota do Solimões tem três destinos: o varejo no Norte e Nordeste; os portos do
Nordeste, de onde seguem para a Europa; e o suprimento dos pontos de venda do
Comando Vermelho (CV). Só com isso já dá para compreender o porquê de o RN ter
entrado na briga, certo? Mas, infelizmente, tem mais.
Em outra reportagem, agora na edição de 5 de outubro de
2016, a revista Veja trouxe matéria repercutindo a decisão da justiça paulista
de anular o julgamento dos 74 policiais militares condenados pelo massacre do
Carandiru, em 2 de outubro de 1992, que resultou em 111 presidiários mortos,
dos quais, 84 ainda esperavam julgamento. Observem que esta decisão foi tomada
24 anos depois da matança o que, para especialistas na área, resulta na banalização
do mal em decorrência da falta de punição aos responsáveis pelo episódio.
Mas, se o Estado Brasileiro não adotou uma postura adequada
diante da situação, os criminosos tomaram. Em 31 de agosto de 1993, um grupo de
presidiários criou o PCC com o objetivo de evitar a repetição do massacre do
Carandiru, evitando brigas entre os detentos e unindo forças para pressionar o
Estado com o objetivo de obter concessões e “mudar a prática carcerária,
desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas e massacres nas prisões”,
como consta no estatuto da facção.
O PCC cresceu e, desde 2002, sob a gestão de Marcos Camacho,
o Marcola, se transformou em um império corporativo com faturamento anual superior
a 20 bilhões de reais, apenas com a venda de drogas para consumo no território
nacional, segundo levantamento realizado pela Veja. O montante não incluiu
receitas com roubo de cargas e assalto a bancos. A reportagem ressaltou ainda que
se o PCC fosse uma empresa, à época do levantamento, seria a décima sexta maior
do país, a frente a Volkswagen, por exemplo.
A revista destacou também que apesar de toda a cúpula do
tráfico de drogas no Brasil estar presa, as ordens continuam a ser dadas de
dentro dos presídios, inclusive Marcola, que já passou uma temporada no
presídio federal de Mossoró. Foi sob a gestão dele que o PCC começou a
diversificar as atividades e se fortaleceu enquanto corporação criminosa, já
considerada um cartel, graças à internacionalização das atividades.
Esta internacionalização, segundo a reportagem da Veja, está
sendo viabilizada por meio de parcerias com quadrilhas africanas e terroristas
do Oriente Médio, como o Hezbollah, de quem o PCC se tornou o agente logístico
para o escoamento da droga do Brasil para a África. Assustador, não?
A matança em Alcaçuz é entre os integrantes do PCC e do
Sindicato do Crime, facção ligada ao Comando Vermelho e Família do Norte.
Diante da complexidade do quadro, volto a perguntar se o Estado – não só o do
RN, mas o federal - tem condições para
controlar esta situação enfrentando uma empresa com faturamento de 20 bilhões e
com ligação com o terrorismo? A curto prazo, não.
" Pouco mudará enquanto a sociedade estiver desorientada em meio ao nevoeiro da ideia medieval de que cuidar das prisões e respeitar os direitos humanos de presos equivale premiar a bandidagem." (VEJA 11.01.2017)
Veja que o PCC levou um quarto de século para se estrutura e
organizar. Enquanto isso, a Justiça não consegue julgar os casos com celeridade;
não pune quem deve; não dá condições de ressocialização; não fortalece as
forças de segurança (o que minimizaria os casos de corrupção nas corporações);
enfim, o Estado Brasileiro não nada. Isso sem falar nos investimentos e gestão
efetiva em Educação, Esporte, Saúde e Assistência Social que estão aquém da
necessidade da população brasileira.
A complexidade da realidade
exige mais do que mais do mesmo. E, não gente, matar o bandido não resolve. Na verdade, além de
ter sido a causa, só piora a situação que aí está. Ao mesmo tempo, a falta de
uma postura cidadã por parte de cada brasileiro, faz com que todos nós sejamos
responsáveis por esta barbárie.
"Prisões razoáveis e presos tratados com um mínimo de humanidade são o único modo de tirar o país do atoleiro da violência que mata 60 mil brasileiros por ano."
(VEJA 11.01.2017)