17 janeiro 2017

O Estado pode conter o crime organizado?



Ao ver as notícias e a repercussão a respeito do caos no sistema prisional brasileiro desde o primeiro dia deste ano, em especial as rebeliões registradas na penitenciária de Alcaçuz desde o último sábado (14), fico me perguntando quais seriam os possíveis caminhos para solucionar a situação. A única certeza é que as sugestões que simplificam o caso não são a resposta certa. 

No livro “Imagens da Organização”, o britânico Morgan Gareth corrobora com a afirmação acima ao dizer que “tendem a superestimar a facilidade com a qual as técnicas e políticas possam ser transplantadas de um contexto para outro, porque é o contexto que frequentemente faz a diferença entre o sucesso e o fracasso. ” 

E quando nos damos ao trabalho de analisar o contexto, antes de simplesmente defender que a solução é matar os presidiários e/ou deixar que se matem, afinal “bandido bom é bandido morto”, percebemos que foi justamente a simplificação da situação, tempos atrás, que nos colocou diante do caos que aí está.

Hoje, o problema que o Estado enfrenta vai muito além da falta de infraestrutura e sucateamento das polícias, apesar de serem estas as armas que tem para enfrentar o crime organizado, ou não. É preciso ampliar o campo de análise e observar um contexto mais amplo, como sugere Gareth. 

No Rio Grande do Norte, os presos de Alcaçuz estão fora das celas desde 2015. Isso significa dizer que só não se rebelaram antes porque não quiseram. Então, o que mudou? Por que esta carnificina agora? O Estado tem como controlar?

A edição de 11 de janeiro da revista Veja (sim, eu leio a Veja) traz cinco matérias e um artigo que abordam o caso das chacinas nos presídios de Manaus e Roraima, que contabilizaram 91 mortos; perfil do líder da matança em Manaus; a ação das facções dentro e fora do sistema prisional; o papelão dos governos e a falácia das medidas a serem adotadas; assim como o desafio a ser enfrentado pela sociedade para reverter o quadro.

"A saída para a selvageria revelada (...) impõe desafios enormes ao governo e à sociedade" (VEJA 11.01.2017)
As reportagens nos revelam que a causa da barbárie em Manaus se deve ao fato de o aparelho de segurança nacional ter apertado o cerco contra o tráfico de cocaína no Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, região de fronteira sob o comando do Primeiro Comando da Capital (PCC), dificultando as transações comerciais desta facção. 

Por causa disso, o PCC passou a ter interesse na chamada Rota do Solimões – que envolve um conjunto de rios da Amazônia - por onde escoa a cocaína produzida na Colômbia e no Peru. Porém, esta Rota é comandada pela Família do Norte (FDN), facção que determinou as mortes dos integrantes do PCC em Manaus e Roraima.
 "A prisão é, por natureza, território do Estado. (...). O Estado é o senhor absoluto dentro de um presídio. E a constatação de que as prisões brasileiras são trincheiras de facções criminosas, que se articulam dentro e fora dos presídios, diz tudo a respeito da espetacular falência do Estado." (VEJA 11.01.2017)
Ainda segundo com a Veja, a cocaína que é transportada pela Rota do Solimões tem três destinos: o varejo no Norte e Nordeste; os portos do Nordeste, de onde seguem para a Europa; e o suprimento dos pontos de venda do Comando Vermelho (CV). Só com isso já dá para compreender o porquê de o RN ter entrado na briga, certo? Mas, infelizmente, tem mais.

Em outra reportagem, agora na edição de 5 de outubro de 2016, a revista Veja trouxe matéria repercutindo a decisão da justiça paulista de anular o julgamento dos 74 policiais militares condenados pelo massacre do Carandiru, em 2 de outubro de 1992, que resultou em 111 presidiários mortos, dos quais, 84 ainda esperavam julgamento. Observem que esta decisão foi tomada 24 anos depois da matança o que, para especialistas na área, resulta na banalização do mal em decorrência da falta de punição aos responsáveis pelo episódio.

Mas, se o Estado Brasileiro não adotou uma postura adequada diante da situação, os criminosos tomaram. Em 31 de agosto de 1993, um grupo de presidiários criou o PCC com o objetivo de evitar a repetição do massacre do Carandiru, evitando brigas entre os detentos e unindo forças para pressionar o Estado com o objetivo de obter concessões e “mudar a prática carcerária, desumana, cheia de injustiças, opressão, torturas e massacres nas prisões”, como consta no estatuto da facção.

O PCC cresceu e, desde 2002, sob a gestão de Marcos Camacho, o Marcola, se transformou em um império corporativo com faturamento anual superior a 20 bilhões de reais, apenas com a venda de drogas para consumo no território nacional, segundo levantamento realizado pela Veja. O montante não incluiu receitas com roubo de cargas e assalto a bancos. A reportagem ressaltou ainda que se o PCC fosse uma empresa, à época do levantamento, seria a décima sexta maior do país, a frente a Volkswagen, por exemplo.

A revista destacou também que apesar de toda a cúpula do tráfico de drogas no Brasil estar presa, as ordens continuam a ser dadas de dentro dos presídios, inclusive Marcola, que já passou uma temporada no presídio federal de Mossoró. Foi sob a gestão dele que o PCC começou a diversificar as atividades e se fortaleceu enquanto corporação criminosa, já considerada um cartel, graças à internacionalização das atividades.

Esta internacionalização, segundo a reportagem da Veja, está sendo viabilizada por meio de parcerias com quadrilhas africanas e terroristas do Oriente Médio, como o Hezbollah, de quem o PCC se tornou o agente logístico para o escoamento da droga do Brasil para a África. Assustador, não?

A matança em Alcaçuz é entre os integrantes do PCC e do Sindicato do Crime, facção ligada ao Comando Vermelho e Família do Norte. Diante da complexidade do quadro, volto a perguntar se o Estado – não só o do RN, mas o federal -  tem condições para controlar esta situação enfrentando uma empresa com faturamento de 20 bilhões e com ligação com o terrorismo? A curto prazo, não.
" Pouco mudará enquanto a sociedade estiver desorientada em meio ao nevoeiro da ideia medieval de que cuidar das prisões e respeitar os direitos humanos de presos equivale premiar a bandidagem." (VEJA 11.01.2017)
Veja que o PCC levou um quarto de século para se estrutura e organizar. Enquanto isso, a Justiça não consegue julgar os casos com celeridade; não pune quem deve; não dá condições de ressocialização; não fortalece as forças de segurança (o que minimizaria os casos de corrupção nas corporações); enfim, o Estado Brasileiro não nada. Isso sem falar nos investimentos e gestão efetiva em Educação, Esporte, Saúde e Assistência Social que estão aquém da necessidade da população brasileira.

A complexidade da realidade exige  mais do que mais do mesmo. E, não gente, matar o bandido não resolve. Na verdade, além de ter sido a causa, só piora a situação que aí está. Ao mesmo tempo, a falta de uma postura cidadã por parte de cada brasileiro, faz com que todos nós sejamos responsáveis por esta barbárie. 
"Prisões razoáveis e presos tratados com um mínimo de humanidade são o único modo de tirar o país do atoleiro da violência que mata 60 mil brasileiros por ano."
(VEJA 11.01.2017)