04 julho 2018

Os Donos do Poder | Capítulo XI

Intitulado A Direção da Economia no Segundo Reinado, o capítulo XI de Os Donos do Poder, de Raymundo Faoro, é dividido em quatro partes: Economia dependente, sob a orientação do Tesouro; O regime de terras, o agricultor e o comissário; O centro estatal do crédito: o dinheiro e as emissões; O político e o especulador.

Apesar de fazer referência aos acontecimentos da segunda metade do século XIX no Brasil, as práticas relatadas pelo autor em relação ao perfil econômico nacional não diferem do que vemos nestas duas primeiras décadas do século XXI. E este é o ponto de Faoro, ao demonstrar que a trajetória nacional é coerente com a cultura do estamento português.


A sociedade luso-brasileira contraiu, a partir da Revolução Portuguesa de 1820, o achaque liberal. Contraiu é o termo; o liberalismo não seria mais que uma doença importada, com a qual deveria conviver sem a ela ceder.


Exemplo disso está na consolidação do Banco do Brasil, em sua quarta edição – tendo em vista ter passado processos de extinção [1829] e fusão -, com fundos eminentemente oriundos do tráfico de escravos, base da cultura agrícola, em especial a cafeeira no país.

A década de 50, em coincidência com o clímax cafeeiro, vê-se inundada, repentinamente, pelos recursos, agora disponíveis, do tráfico de escravos.


Enquanto o mundo via e vivia o desenvolvimento industrial, o Brasil não conseguiu a acompanhar, apesar de ter aderido ao capital especulativo, o progresso real foi resultado da cultura do café, do investimento em melhoramentos urbanos e no transporte ferroviário.

O ambiente de prosperidade, alimentado pela especulação, sugeria, mal dissimulada a cartola do mágico, o salto do país atrasado para o delírio do século XIX, o progresso rápido e sem fim. O voo não seria obra do trabalho da poupança, do capital acumulado, mas do jogo da inteligência contra a rotina, da imaginação em lugar do lento e suado passo a passo.


É estarrecedor perceber que o suposto desenvolvimento industrial do país tinha como base o que acompanhamos na atualidade em casos como os revelados pela Operação Lava Jato, na promiscuidade das relações entre os setores público e privado. O barão de Mauá, por exemplo, foi o maior empresário e banqueiro do período imperial e sofria, como todos, o dilaceramento de tendências opostas: reclama a liberdade para a empresa, mas não dispensa, senão reclama estímulo oficial, envolvendo o Estado nos negócios, no esquema global.

Ou seja, a meta dos liberais era mais mercado e menos Estado, porém, sempre se valendo dos favores estatais para viabilizar maiores rendimentos aos empresários, por meio da incestuosa relação entre economia e política, como enfatiza Faoro, já que as concessões eram pleiteadas e obtidas pelos próprios deputados, senadores e conselheiros ou expoentes partidários.

Qualquer semelhança não é mera coincidência. Infelizmente!😒

A intervenção do governo não se circunscreve às finanças e ao crédito. Ao contrário, desse centro ela se irradia sobre as atividades, comerciais, industriais e de melhoramentos públicos. O Estado autoriza o funcionamento das sociedades anônimas, contrata com os bancos, outorga privilégios, concede estradas de ferro e portos, assegura fornecimentos e garante juros. A soma desses favores e dessas vantagens constitui a maior parte da atividade econômica, senão a maior na soma, a mais relevante e ativa, regulada, incentivada e só possível pela vida que o cordão umbilical do oficialismo lhe transmite. Atuante é a intervenção do Estado, secundária a presença dos particulares, agentes públicos mascarados em empresários. No fim do Império, as sociedades anônimas com maior capital realizado, na corte, têm por objeto estradas de ferro, carris urbanos e navegação, numa escala que vai de cento e dez mil contos a quinze mil. Os três ramos só existem pelos favores inerentes às concessões. Tomem-se como modelo as estradas de ferro, e do exemplo terá o esquema fundamental da economia do Império.


Do Império e da República, não é mesmo?

Com todas as ressalvas ao risco de possível anacronismo, ler este relato de Faoro nos permite compreender o funcionamento das relações que marcam a atuação das construtoras nas obras da Copa de 2014, por exemplo. Este poderia ser um relato sobre as ações da Odebrecht, com cerca de um século e meio de antecedência, o que nos leva a questionar sobre a quantidade de desvios e prejuízos que tais relações causaram à sociedade brasileira.

Faoro conclui o capítulo com um resumo das relações vivenciadas no Segundo Reinado ao dizer que:

O Segundo Reinado será o paraíso dos comerciantes, entre os quais se incluem os intermediários honrados e os especuladores prontos para o bote à presa, em aliança com o Tesouro. A velha dupla, estamento e comércio, dá-se as mãos, modernizadora nos seus propósitos, montada sobre a miragem do progresso. Os agricultores vergados ao solo, os industriais inovadores servem, sem querer, aos homens da imaginação forrada de golpes, hábeis no convício com os políticos, astutos nas empreitadas. As raposas se infiltram nos gabinetes, contaminando, com sua esperteza, o tipo social do político. O progressismo, como muito tarde o desenvolvimentismo, farão da modernização um negócio de empréstimos, subvenções e concessões, entremeado com o jogo da Bolsa, sob os auspícios do Estado. Modernização esta em choque com as forças conservadoras e agrárias, mas distante das correntes revolucionárias. Ninguém quer matar a galinha dos ovos de ouro, senão viver à custa dela, submissa, calada e recolhida, mas prolífica.

Leitura que segue com o capítulo XII | O renascimento liberal e a república.💭

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