18 julho 2018

Brasil: Nunca Mais


O centro da pessoa humana é a liberdade. Esta, por sua vez, é a invenção que o sujeito faz de si mesmo, através da palavra que o exprime. Na tortura, o discurso que o torturador busca extrair o torturado, é a negação absoluta e radical de sua condição de sujeito livre. A tortura vira ao avesso da liberdade. Nesta medida, o discurso que ela busca, através da intimidação e da violência, é a palavra aviltada de um sujeito que, nas mãos do torturador, transforma-se em objeto. (p. 331)

Esta citação do psicanalista Hélio Pellegrino representa bem o conteúdo das 390 páginas que compõem o livro-reportagem Brasil: Nunca Mais, resultado de um trabalho de pesquisa sobre os processos da Justiça Militar brasileira, no período de abril de 1964 a março de 1979.

Esta edição publicada pela Editora Vozes em 2011 conta com prefácio de Dom Paulo Evaristo Arns, escrito em 3 de maio de 1985, à época Arcebispo Metropolitano de São Paulo. O projeto Brasil: Nunca Mais, desenvolvido pelo Conselho Mundial de Igrejas e pela Arquidiocese de São Paulo nos anos oitenta, sob a coordenação do Rev. Jaime Wright e de Dom Paulo Evaristo Arns, foi elaborado com o objetivo de expor à sociedade um relato da trágica prática de tortura durante um período especialmente repleto de acontecimentos na história do mundo e do Brasil. (p. 15)

E o relato é realmente trágico, ao ponto de obrigar uma leitura lenta, pausada, na medida em que expõe modos e instrumentos de tortura; a institucionalização da prática por meio da oferta de cursos para agentes do Estado; a estrutura do sistema repressivo e as atividades visadas que justificavam a ação repressiva, em especial as subversivas; os limites extremos da tortura; tudo isso baseado nos dados dos processos da Justiça Militar que possibilitaram a catalogação dos casos, das práticas e das marcas deixadas pela ditadura.
Do ponto de vista do enquadramento técnico, a capitulação dos “crimes” variava bastante, podendo ser invocados diversos artigos da Lei de Segurança Nacional. Do ponto de vista filosófico, entretanto, ficou evidente que se partia de uma definição arbitrária daquilo que seria “subversão”. As autoridades do Regime Militar utilizaram esse conceito, abusivamente, como se ele tivesse conteúdo absoluto, invariável, sagrado. Seu raciocínio continha uma lógica primitiva: subverter é tentar transformar o que hoje existe; como o regime atual representa a vontade da nação, tentar mudá-lo é, pois, delito. E todo delito merece punição. (p.186)

De acordo com os depoimentos registrados nos processos, a ação repressiva incluiu intimidação pela tortura; depoimentos forjados, com base em confissões falsas. A pesquisa mostra que a prática da tortura teve como consequências impactos na personalidade, mortos sob tortura e desaparecidos políticos, apesar da assistência médica que orientava a ação dos torturadores sob os torturados.

Se os dados por si só são chocantes, a personalização dos casos por meio da indicação dos nomes, idade e profissão, por exemplo, impacta por aproximar a vítima do leitor, ao dar vida a quem sofre, como no caso do jornalista Wladimir Herzog. Ao lado do caso Herzog, a lista das vítimas também inclui crianças, mulheres e idosos.

Um livro intenso, duro, mas de necessária leitura a todo cidadão brasileiro.

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