Aos 86 anos, usando um par de meias vermelhas com listras pretas, o homenageado deste ano do Festival Literário de Natal (Flin), o jornalista e escritor Zuenir Ventura participou da última mesa de debates da noite, ao lado do filho, o também jornalista e escritor Mauro Ventura, sobre “O escritor militante”.
Durante o bate-papo, que teve a (péssima) mediação do jornalista potiguar Cassiano Arruda, Zuenir Ventura mostrou que a atividade cognitiva o mantém atuante e combativo diante dos temas delicados em evidência no Brasil, como as operações que têm levado corruptos e corruptores à prisão.
Zuenir foi enfático ao afirmar que estamos vivendo “um momento que cheira mal, mas que é importante, pois estamos passando o Brasil a limpo.”.
A interação entre Zuenir e Mauro revelou que a identidade entre eles vai além do exercício profissional. Mauro foi testemunha do engajamento do pai no exercício do jornalismo e da cidadania em anos como o período do regimento militar que resultou na prisão de Zuenir e de mais dois integrantes da família. E, para ele, tal experiência teve impacto decisivo em sua escolha profissional, apesar de mão ter tido o apoio dos pais.
Zuenir ressaltou que, apesar da experiência como repórter, se tornar escritor foi algo que aconteceu por acaso, sendo o primeiro livro escrito aos 57 anos. “Na minha vida, tudo foi por acaso. Nunca pensei em escrever um livro, até porque eu não gosto de escrever por ser uma coisa penosa. Escolher o termo certo, o adjetivo adequado...”, revelou.
Segundo o escritor, o que jornalista gosta mesmo é da reportagem. “A melhor coisa do jornalismo é a reportagem. Conhecer pessoas, histórias diferentes. É isso que dá prazer”, enfatizou Zuenir.
Sobre a dificuldade da escrita, Mauro Ventura observou que “o livro não é uma reportagem aumentada. É um outro ritmo, a definição do tempo verbal é difícil. Para ser um bom escritor é preciso esquecer o jornalista”, revelou Mauro, autor da obra “Tribunal do Tráfico”, que aborda o julgamento de criminosos por organizações que comandam o tráfico de drogas nas comunidades do Rio de Janeiro.
Diante da declaração de Mauro Ventura sobre as dificuldades enfrentadas para a escrita de livros, Zuenir revelou que, até aquele momento, não sabia das barreiras que tiveram que ser superadas pelo filho. “Ele é muito independente. Nunca me perguntou nada, mesmo sabendo que eu tinha enfrentado dificuldades semelhantes. Só li depois de publicado” afirmou o autor de “1968, o ano que não terminou” que já está na 40° edição e inspirou a minissérie “Anos Rebeldes”, exibida na Globo.
O tempo destinado à conversa entre os autores, que foi levada com bom humor e nítida integração entre pai e filho, apesar de Zuenir se considerar um otimista, enquanto Mauro se diz pessimista, não foi suficiente para tantos assuntos a serem abordados e relacionados à vida e obra de ambos, bem como às impressões que têm sobre o Brasil atual. “Hoje estamos vivendo uma crise cumulativa. Eu sinto o ódio e a intolerância imperando, enquanto a solidariedade, a cordialidade está se engaçando. Mesmo assim reafirmo que no meu DNA estava escrito que eu seria careca e otimista!”, brincou ao destacar a importância do engajamento da sociedade nas questões políticas e que estas não podem ser discutidas com a perspectiva partidária, pois vão além delas.
Se o tempo destinado para tanto assunto resultante de mais de 60 anos de atividade jornalística, este foi ainda mais prejudicado pela falta de sensibilidade do mediador, Cassiano Arruda, que quis ter um protagonismo que não era dele, nem de interesse do público. O potiguar interrompeu o pensamento de Zuenir em algumas ocasiões para puxar assuntos e perspectivas de interesse pessoal, como a crítica à prisões de denunciados por corrupção. Estas intervenções foram prontamente rebatidas pelos Ventura que destacaram a relevância de operações como a Lava-jato que, se registraram excessos, foram em percentual ínfimo que não impactam os resultados que estão sendo alcançados.
A intervenção não tirou o encanto que a fala de Zuenir é capaz de causar, seja aos leitores, seja aos espectadores. Admirável!
Organizado pela Prefeitura do Natal, o Flin acontece até sábado, no largo do teatro Alberto Maranhão, com entrada gratuita. A programação pode ser conferida aqui: http://natal.rn.gov.br/noticia/ntc-27255.html
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