25 novembro 2017

Rota 66 | A História da Polícia que Mata


Uma pesquisa que analisou os casos de cerca de 4 mil pessoas mortas pela polícia militar de São Paulo, em um período de 22 anos (1970 – 1992), e identificou tanto os perfis das vítimas mortas, como dos agentes da lei que são matadores dos civis que, em sua maioria, nunca tiveram passagem pela polícia. 

Esse é o conteúdo do livro Rota 66 – A História da Polícia que Mata, publicado por Caco Barcellos em 1992 e que deixa o leitor sem fôlego da primeira à última das 350 páginas desta obra. Este exemplar está incluído na tiragem da nona edição publicada em 2008 pela Editora Record.

O livro-reportagem tem como gancho o caso que envolve a unidade 66 da Rondas Ostensivas Tobias de Aguiar (Rota) de São Paulo, em 1975, que perseguiu o Fusca azul no qual estava três jovens que foram executados pelos policiais. O caso, similar a tantos outros, tinha como diferencial o perfil das vítimas, que eram da classe média de São Paulo.

O fato de as vítimas não terem o perfil padrão de pobres que moram na periferia resultou em grande pressão social e da imprensa nacional e internacional à punição dos envolvidos. Porém, o que o levantamento realizado por Caco Barcellos, que resultou na construção de um banco de dados que identifica as vítimas, os policiais envolvidos no caso de morte, as circunstâncias e dados científicos do caso, assim como os dados legais dos envolvidos obtidos junto à Justiça Civil e no banco de dados da própria Polícia.

Ao começar a fazer este livro, meu objetivo era denunciar a ação de matadores oficias contra civis envolvidos em crimes na cidade. O balanço final do meu trabalho, em junho de 92, acabou surpreendendo a mim mesmo. Os criminosos não representam a maioria entre as pessoas mortas pelos policiais militares. O resultado da minha investigação, que abrange o período de 22 anos de ação dos matadores, mostra que a maior parte dos civis mortos pela PM de São Paulo é constituída pelo cidadão comum que nunca praticou um crime: o inocente.

O resultado deste levantamento e cruzamento de dados levou o jornalista a constatar o grupo de maiores matadores da Polícia Militar de São Paulo que integravam a Rota no período analisado, assim como a identificar o padrão de atuação dos policiais: perseguição das vítimas, execução, adulteração da cena do crime para dificultar o trabalho da perícia e retirada do corpo, sempre levado ao hospital mais próximo.

Os supostos tiroteios deste ano de 75, se examinados através das versões oficiais da PM, têm uma grande semelhança com os tiroteios do passado, em que as vítimas eram os guerrilheiros. A narrativa do histórico dos fatos tem geralmente a mesma sequência. O PM desconfia de alguém na escuridão. O suspeito foge disparando a arma. O policial revida e atinge o suspeito. Socorrido, o ferido morre a caminho do hospital. A condição de vítima ou de agressor geralmente é invertida, como aconteceu no caso Rota 66. O morto sempre é culpado pela morte dele. Naturalmente, a cada novo tiroteio são mudados os nomes das pessoas, envolvidas, a data, o local, a hora do crime.

Mais do que mostrar o grupo de matadores que, segundo o autor, representa uma minoria do efetivo da Polícia Militar, a obra revela ser a conduta do fuzilamento dos suspeitos uma prática estimulada pelo sistema de segurança e do Governo do Estado, com promoções, condecorações e reconhecimento profissional pelos pares pela conduta a ser tomada como exemplo pelos pares.

Os casos levados a julgamento pela própria instituição também resultam em modelos idênticos de absolvição dos matadores, julgados como vítimas e, portanto, absolvidos.

Caco Barcellos relata neste livro o procedimento padrão dos matadores que participaram de outros casos icônicos da violência policial no Brasil, como o massacre no Carandiru e o caso Pixote.

Os relatos apresentados também não poupam críticas à imprensa por se eximir do seu papel de relatar a verdade e se contentar em reproduzir a versão oficial da Polícia sem ao menos questionar o que, muitas vezes, não passa de um relato fantasioso dos fatos.

No livro, Caco Barcellos deixa claro que a atualização do banco de dados foi mantida, o que dá ao leitor a expectativa de ter em mãos, a qualquer momento, uma nova obra como esta que não só poderia, mas deveria ser a base do trabalho de qualquer repórter: análise de dados, ao invés da simples reprodução de declarações sem subsídios.

Minha pretensão é a de examinar todos os casos registrados como tiroteio desde o dia 9 de abril de 1970, quando houve a fusão da Polícia Civil e da Força Pública, para a criação da Polícia Militar de São Paulo. Fixado o início, decido que o final do período de abrangência do Banco de Dados será ilimitado: só acaba no dia em que os PMs deixarem de matar.

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