23 novembro 2017

Os Donos do Poder | Capítulo V


Compreender a história do Brasil é um dos maiores desafios que os cidadãos têm que enfrentar para identificar os caminhos trilhados para a constituição do País enquanto nação. Ao mesmo tempo, esta visita ao passado revela possibilidades para a abertura de novos trajetos que levarão à solução de questões contemporâneas, mas não necessariamente inéditas.

No Capítulo V de Os Donos do Poder -  Formação do Patronado Brasileiro, intitulado Obra de Centralização Colonial, Raymundo Faoro apresenta as causas da criação do governo-geral; a consequente organização dos municípios e a centralização política e administrativa; e como os colonos e os caudilhos empreenderam à conquista do sertão.

Alias, segundo Faoro, a conquista do sertão brasileiro representa a verdadeira história do Brasil, tendo em vista o fato de a estrutura montada pela metrópole no litoral ter tido como objetivo a posse da terra, a exploração dos insumos destinados para Portugal e a Europa, assim como o pagamento dos tributos.

A interiorização visava, além da expansão do território brasileiro, num processo de questionamento nem sempre transparente e legal, de questionar o Tratado de Tordesilhas, dominar o índio e buscar as minas.

Entre o mar e o sertão, entre o mar e a serra, entre o mar e o indígena havia um mundo novo. Este será o capítulo original da história brasileira, o cenário de outra epopeia, sem a projeção política da outra, ornamentada pelos deuses latinos e pelas letras da Renascença.

O que Raymundo Faoro mostra ao leitor é que a construção da nação brasileira se deu, verdadeiramente, via interiorização do povoamento, ainda no período colonial. Porém, destaca o autor, que por mais que parecesse que as ações dos bandeirantes – oficialmente ligados à Coroa ou não – aconteciam sob a proteção de Portugal e não à revelia. Mas esta realidade só se perpetuou enquanto foi vantajoso à realeza.

A necessidade de controle da produção nas minas, levou Portugal a mudar de tática e a reprimir ações e reações contrárias aos seus interesses. Assim, o braço militar, formado e armado com o aval e pela metrópole perdeu apoio depois de ter sido responsável por, entre outras coisas, a viabilizar a integração no Norte ao Sul do Brasil, via rio São Francisco, que seria a espinha dorsal da unidade brasileira.

Segundo Faoro, o São Francisco é o laço cósmico que uniu os bandeirantes do Sul e os do Nordeste. A respeito desta união, o autor explica que pelo Sul,

por aí se esprairá em todas as direções do tedas as direções do território, o movimento de expansão interior, fixando perfil de uma nova camada social, os conquistadores, dos quais os bandeirantes darão a face paulista de uma direção social que atravessava três séculos de história.

A ação violenta e opressora do conquistador representa a face do proprietário de terra brasileiro que marcou a história nacional e ainda persiste.

A herança do conquistador – o “coronel” e o capanga, o fazendeiro e o sertanejo, o latifundiário e o matuto, o estancieiro e o peão -  permanecerá, estável, conservadora, na vida brasileira, não raro atrasando e retardando a onda modernizadora, mais modernizadora do que civilizadora, projetada do Atlântico.

O processo de centralização política e administrativa implementado por Portugal, que queria súditos e não senhores de terra, soldados e caudilhos, fez com que a colônia se adequasse a uma estrutura que não atendida às suas necessidades, mas sim às da metrópole, por meio da troca: obediência por títulos e favores pessoais.

A conquista dos sertões, a descoberta das minas sugerira uma política de transação, agora revogada e anulada, não raro a ferro e fogo. Nenhuma comunicação, nenhum contato, nenhuma onda vitalizadora flui entre o governo e as populações: a ordem se traduz na obediência passiva ou no silêncio. Não admira que, duzentos anos depois, as liberdades públicas só existam para divertimento de letrados, agarrados aos sonhos que o litoral traz de outros mundos. (...) O Estado não é sentido como o protetor dos interesses da população, o defensor das atividades dos particulares. Ele será, unicamente, monstro sem alma, o titular da violência, o impiedoso cobrador de impostos, o recrutador de homens para empresas com as quais ninguém se sentirá solidário. Ninguém com ele colaborará — salvo os buscadores de benefícios escusos e de cargos públicos, infamados como adesistas a uma potência estrangeira.

Não é por acaso que esta realidade ainda é a mesma que tentamos modificar neste século XXI. Leitura que segue!

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