15 fevereiro 2018

Os Donos do Poder | Capítulo IX


Ao mostrar ao leitor a formação do patronato político brasileiro, em Os Donos do Poder, Raymundo Faoro nos coloca em contato com uma realidade que, apesar de, nesta etapa do texto, descrever o século XIX, pode ser considerado como perfeito relato da vida no século XXI.

Compreender o movimento de conservadores e liberais pela consolidação de seus respectivos grupos no poder, após a abdicação ao trono por Dom Pedro I, em 7 de abril de 1831, nove anos após a Proclamação da Independência, auxilia a compreensão deste mesmo movimento nos anos seguintes e que persiste até os dias atuais.

Toda nossa política, assim monárquica como republicana, mostrou-se geralmente ou duvidosa da capacidade do povo, ou suspeitosa do caráter de suas manifestações, de tal maneira que, entre nós, o povo foi sempre mais símbolo constitucional do que fonte de autoridade em cujo contato dirigentes, representantes e líderes partidários fossem retemperar o ânimo e o desejo de servir.

Vale ressaltar que, para Faoro, a preocupação não está em contar a história do Brasil a partir das datas que a marcam cronologicamente, mas sim em explicar o jogo político, econômico e social que possibilitou a estruturação do estamento brasileiro e que culminou com os fatos que, para ele, já são sabidamente conhecidos por todos nós.

Sim, Faoro pressupõe que o leitor de Os Donos do Poder conhece bem as datas e marcos significativos da formação do Brasil enquanto Nação. Por isso, ao se aventurar nesta leitura, prepare-se para revisitar períodos e nomes da história nacional para, com a ajuda do autor, aprofundar o entendimento a respeito da nossa trajetória política, econômica e social.

O Capítulo IX desta obra, intitulado A Reação Centralizadora e Monárquica, é dividido em três partes: 1. A reorganização da autoridade -  a conciliação geográfica e a reação centralizadora; 2. As bases econômicas da centralização; 3. Os fundamentos legais da centralização monárquica.

Nesta etapa do livro, Faoro revela que, se com a Proclamação da Independência houve a possibilidade de descentralização do poder, via autonomia das províncias e ascensão dos fazendeiros enquanto autoridades em suas respectivas regiões, o movimento pós-abdicação foi de busca de uma identidade nacional, a partir dos movimentos regionais e da busca pelo restabelecimento da unidade do país.

A abdicação de Dom Pedro I teve como causa a dificuldade de o imperador em atender aos interesses do Brasil e de Portugal ao mesmo tempo. Apesar de chefe de Estado brasileiro, Dom Pedro era português e o corpo ministerial que o servia era, em sua maioria de conterrâneos, que trabalhavam para viabilizar a recolonização do país.

Durante o período regencial, o Brasil viveu diversas revoltas espelhadas pelo território nacional (Bahia, Pará, Maranhão, Nordeste e Rio Grande do Sul), com causas também diversas que incluíam de reivindicações sociais à defesa da centralização imperial, chegando aos questionamentos a respeito dos tributos cobrados sobre produtos produzidos no país, mas que beneficiavam a importação outros países em detrimento aos interesses das províncias.

A regência do padre Feijó, apesar do caráter liberal, se fechou em si mesma na busca de racionalizar o processo gerencial do país, mas se perdeu. Sem apoios políticos não há como fazer a estrutura pública andar. Alias, nada mais atual, não é mesmo?

Feijó foi substituído por Pedro Araújo de Lima, em 1837, até que a maioridade de Dom Pedro II fosse declarada, em 22 de julho de 1840.

Em todo esse período, liberais e conservadores buscavam viabilizar a influência de seus respectivos grupos aos representantes do poder. O sistema parlamentarista, considerado o principal mecanismo político do segundo reinado, que teve 50 anos de duração, foi instituído em 1837 e garantiu o exercício do poder sem a participação do povo.

A política brasileira tem a perturbá-la, intimamente, secretamente, desde os dias longínquos da Independência, o sentimento de que o povo é uma espécie de vulcão adormecido. Todo perigo está em despertá-lo. Nossa política nunca aprendeu a pensar normalmente no povo, a aceitar a expressão da vontade popular com base na vida representativa.

Entre brigas e alternância de poder, a monocultura do café viabilizou a retomada econômica do país, já sob a orientação conservadora que trabalhou pela retomada da estrutura centralizada de poder e a extinção dos focos locais deste mesmo poder.

O Estado volta às suas origens e fundamentos patrimonialistas, alimentado pelo comércio, colhendo, na longa caminhada, cores renovadoras, sem enfraquecer a sua linha central, que a especulação vela e conduz, do estatuto do mercantilismo.

Para respaldar a retomada do poder central, a legislação que garante a maioridade de Dom Pedro II viabiliza também o reordenamento local apenas sob a orientação nacional, tanto política quanto legalmente, com o Conselho de Estado, renascido com a Lei de 23 de novembro de 1841, e a reforma do Código do Processo Civil, consagrada na Lei de 3 de dezembro do mesmo ano.

A reação centralizadora e monárquica, conservadora e oligárquica, trilhou o caminho da tradição à sombra de Dom João I e de Dom João IV: ela forjou um imperador e o imperador a consolidou.

Leitura que segue com o Capítulo X | O Sistema Político do Segundo Reinado.

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