Ao
mostrar ao leitor a formação do patronato político brasileiro, em Os Donos do Poder, Raymundo Faoro nos
coloca em contato com uma realidade que, apesar de, nesta etapa do texto, descrever
o século XIX, pode ser considerado como perfeito relato da vida no século XXI.
Compreender
o movimento de conservadores e liberais pela consolidação de seus respectivos grupos
no poder, após a abdicação ao trono por Dom Pedro I, em 7 de abril de 1831,
nove anos após a Proclamação da Independência, auxilia a compreensão deste
mesmo movimento nos anos seguintes e que persiste até os dias atuais.
Toda nossa política, assim monárquica como republicana, mostrou-se geralmente ou duvidosa da capacidade do povo, ou suspeitosa do caráter de suas manifestações, de tal maneira que, entre nós, o povo foi sempre mais símbolo constitucional do que fonte de autoridade em cujo contato dirigentes, representantes e líderes partidários fossem retemperar o ânimo e o desejo de servir.
Vale
ressaltar que, para Faoro, a preocupação não está em contar a história do
Brasil a partir das datas que a marcam cronologicamente, mas sim em explicar o
jogo político, econômico e social que possibilitou a estruturação do estamento brasileiro
e que culminou com os fatos que, para ele, já são sabidamente conhecidos por
todos nós.
Sim, Faoro
pressupõe que o leitor de Os Donos do
Poder conhece bem as datas e marcos significativos da formação do Brasil
enquanto Nação. Por isso, ao se aventurar nesta leitura, prepare-se para revisitar
períodos e nomes da história nacional para, com a ajuda do autor, aprofundar o
entendimento a respeito da nossa trajetória política, econômica e social.
O
Capítulo IX desta obra, intitulado A
Reação Centralizadora e Monárquica, é dividido em três partes: 1. A
reorganização da autoridade - a
conciliação geográfica e a reação centralizadora; 2. As bases econômicas da
centralização; 3. Os fundamentos legais da centralização monárquica.
Nesta
etapa do livro, Faoro revela que, se com a Proclamação da Independência houve a
possibilidade de descentralização do poder, via autonomia das províncias e
ascensão dos fazendeiros enquanto autoridades em suas respectivas regiões, o
movimento pós-abdicação foi de busca de uma identidade nacional, a partir dos
movimentos regionais e da busca pelo restabelecimento da unidade do país.
A
abdicação de Dom Pedro I teve como causa a dificuldade de o imperador em
atender aos interesses do Brasil e de Portugal ao mesmo tempo. Apesar de chefe
de Estado brasileiro, Dom Pedro era português e o corpo ministerial que o
servia era, em sua maioria de conterrâneos, que trabalhavam para viabilizar a
recolonização do país.
Durante
o período regencial, o Brasil viveu diversas revoltas espelhadas pelo
território nacional (Bahia, Pará, Maranhão, Nordeste e Rio Grande do Sul), com
causas também diversas que incluíam de reivindicações sociais à defesa da
centralização imperial, chegando aos questionamentos a respeito dos tributos
cobrados sobre produtos produzidos no país, mas que beneficiavam a importação outros
países em detrimento aos interesses das províncias.
A
regência do padre Feijó, apesar do caráter liberal, se fechou em si mesma na
busca de racionalizar o processo gerencial do país, mas se perdeu. Sem apoios
políticos não há como fazer a estrutura pública andar. Alias, nada mais atual,
não é mesmo?
Feijó
foi substituído por Pedro Araújo de Lima, em 1837, até que a maioridade de Dom
Pedro II fosse declarada, em 22 de julho de 1840.
Em todo
esse período, liberais e conservadores buscavam viabilizar a influência de seus
respectivos grupos aos representantes do poder. O sistema parlamentarista,
considerado o principal mecanismo político do segundo reinado, que teve 50 anos
de duração, foi instituído em 1837 e garantiu o exercício do poder sem a
participação do povo.
A política brasileira tem a perturbá-la, intimamente, secretamente, desde os dias longínquos da Independência, o sentimento de que o povo é uma espécie de vulcão adormecido. Todo perigo está em despertá-lo. Nossa política nunca aprendeu a pensar normalmente no povo, a aceitar a expressão da vontade popular com base na vida representativa.
Entre
brigas e alternância de poder, a monocultura do café viabilizou a retomada
econômica do país, já sob a orientação conservadora que trabalhou pela retomada
da estrutura centralizada de poder e a extinção dos focos locais deste mesmo
poder.
O Estado volta às suas origens e fundamentos patrimonialistas, alimentado pelo comércio, colhendo, na longa caminhada, cores renovadoras, sem enfraquecer a sua linha central, que a especulação vela e conduz, do estatuto do mercantilismo.
Para
respaldar a retomada do poder central, a legislação que garante a maioridade de
Dom Pedro II viabiliza também o reordenamento local apenas sob a orientação
nacional, tanto política quanto legalmente, com o Conselho de Estado, renascido
com a Lei de 23 de novembro de 1841, e a reforma do Código do Processo Civil,
consagrada na Lei de 3 de dezembro do mesmo ano.
A reação centralizadora e monárquica, conservadora e oligárquica, trilhou o caminho da tradição à sombra de Dom João I e de Dom João IV: ela forjou um imperador e o imperador a consolidou.
Leitura
que segue com o Capítulo X | O Sistema Político
do Segundo Reinado.
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