Uma obra
constituída por três partes – O
Continente, O Retrato e O Arquipélago
- divididas e sete volumes e que levou 13 anos (1949 – 192) para ser construída
e publicada pela primeira vez.
O Tempo e O Vento é a obra
do gaúcho de Cruz Alta Érico Veríssimo que conta cinquenta anos da história de
formação do Rio Grande do Sul, desde a constituição dos Sete Povos das Missões,
pelos jesuítas, passando pelas lutas imperiais e republicanas.
Para
narrar como se dá a formação do RS, inicialmente conhecido como Continente de
São Pedro, e também a do Brasil, Érico Veríssimo conta a história da família
Terra Cambará e os impactos que as lutas que resultaram na construção política,
economia e social do Estado tiveram na vida das pessoas que na região viviam
e/ou lá buscavam firmar raízes.
Dividida
em dois volumes, a primeira parte da obra O
Continente apresenta ao leitor, no Volume I, a vida de Pedro Missioneiro e
Ana Terra em condições e regiões distintas até que o encontro deles acontece e
resulta no nascimento de Pedro Terra e na ida de Ana para o povoado de Santa
Fé.
Lá, Ana se
estabelece como parteira e Pedrinho cresce, forma família e vai para a guerra. Do
casamento com Arminda, nascem Juvêncio e Bibiana, que carrega muitas das
características da avó, Ana Terra.
Mesmo
contrariando o pai, Bibiana casa com o condecorado capitão Rodrigo que, para
conquistar a moça, entra em duelo com Bento Amaral, neto do coronel Ricardo
Amaral, tido como dono de Santa Fé e de posição reacionária que, além dos bens
materiais, também transmite aos filhos o posicionamento governista que garante
à família novas terras e bens, após as participações nos diversos conflitos
registrados na região, mas para os quais não contribui, apesar de obrigar que
os moradores de Santa Fé forneçam homens, mantimentos, animais e armamento.
Ao mesmo
tempo em que a resistência das mulheres é destaque na obra, a submissão aos
relacionamentos abusivos expressa a mentalidade que, ainda hoje, é a base de
algumas uniões. E, apesar da frequente comparação feita entre Ana Terra e
Bibiana, Ana era uma mulher decidida, de personalidade forte e que sempre
questionou a submissão das mulheres aos homens, mesmo sendo uma figura típica
do século XVIII.
Ao longo
das cerca de 400 páginas desta edição da Companhia das Letras (2004), o que se
vê é uma Bibiana benevolente com o espírito livre do capitão Rodrigo que chega
a extremos que colocam em cheque o caráter da personagem.
No entanto, ela sabia que era verdade. Rodrigo dividia suas noites entre a mesa de jogos e a casa de Honorina. Bibiana chegara a ver uma noite a rapariga na última festa do Espírito Santo, toda vestida de vermelho. Tinha a pele cor de canela, tranças compridas, negras e lustrosas, e um jeito disfarçado e arisco de olhar as pessoas sem nunca encará-las direto. Era esquisito – refletia Bibiana -, mas ela não tinha propriamente ciúmes do marido. Sabia que ele gostava era de mulher, que não se contentava com uma só. Mais cedo ou mais tarde havia de ficar também cansado de Honorina e passaria para outra. O melhor que ela tinha a fazer era fingir que não sabia de nada. Contanto que ele não fosse embora, que ela pudesse tê-lo a seu lado – contanto que ele continuasse a ser o seu marido, tudo estava bem. E, pensando nessas coisas, Bibiana pedalava a roca e fiava, e de quando em quando interrompia o trabalho para atender a Anita ou para ralhar com Bolívar.
Com um
texto primoroso, de fazer o coração palpitar diante dos momentos de tensão que
levam o leitor entre a primeira e o final da segunda metade do século XIX, já
que a obra tem capítulos que intercalam o relato sobre a Revolução Federalista
(1895) o caminho trilhado pelos envolvidos, no RS e no Brasil, até chegarem
aquele momento, a obra apresenta ao leitor, de maneira leve e romanceada, uma
aula de história nacional com detalhes que levam a percepção de elementos que
extrapolam as questões didáticas.
O ano de 1833 aproximava-se do fim. A população de Santa Fé estava alvoroçada, pois confirmara-se a notícia de que em 1834 o povoado seria elevado a vila. No entanto o assunto preferido de todas as rodas era a política. Gente bem informada, vinda de Porto Alegre e do Rio Pardo, contava histórias sombrias. Depois da abdicação de d. Pedro I, as coisas na Corte andavam confusas. Seu filho, o Príncipe d. Pedro, não podia ser coroado porque era muito criança. Ali mesmo em Santa Fé, bem como acontecia nas carreiras, as pessoas tomavam partido. Uns eram pela maioridade; outros achavam que o melhor mesmo era que uma junta de homens direitos e sábios ficasse no governo. A principio todos esperavam que com a abdicação de Pedro I a situação mudasse, pois achavam que, sendo o Imperador português, não podia deixar de puxar brasa para o assado de Portugal. Mas haviam-se passado mais de dois anos e tudo continuava como antes.
A atualidade
de uma obra com mais de 50 anos de publicação pode ser vista, entre outros
momentos, nas discussões sobre a situação que levou à Revolução Farroupilha,
que teve como estopim a cobrança de impostos pela Corte sobre a produção
rio-grandense que inviabilizava o comércio da produção com outras províncias e
privilegiava a importação da charque cisplatina.
Outro
ponto levantado é o questionamento da cobrança do Imposto Sobre Circulação de
Mercadorias, atual ICMS, se este deve ser feito na origem do produto ou no
local de chegada, discussão também feita nos nossos dias.
Ouvira falar de tumultos no Rio Grande e de ameaças de revolta em Viamão. Conversara com muitos charqueadores que estavam irritados com o governo central, que os obrigava a pagar seiscentos réis fortes de imposto por arroba de charque. Os criadores também se queixavam, indignados, de que além da taxa de dez mil-réis por légua quadrada de campo, os quintos que tinham de pagar sobre o couro ‘eram uma barbaridade’; e se quisessem exportá-lo, Santo Deus, nesse caso o imposto era dobrado! Não se podia fabricar nada que lá vinham os impostos mais absurdos, os dízimos, como se o Rio Grande fosse uma colônia e não uma província do Brasil. Para cúmulo, até as tropas de mulas que os criadores rio-grandenses vendiam para tropeiros de Sorocaba e outros lugares fora do Continente estavam sujeiras a um imposto que era cobrado não no lugar de origem do negócio, mas sim nos mercados onde os muares eram revendidos, de sorte que quem se ia beneficiar com a arrecadação eram outras províncias.
Com a
leitura do primeiro dos sete livros que compõem O Tempo e o Vento é possível perceber que compreender é fundamental
se apropriar das diversas histórias contadas sobre o Brasil, em seus mais
variados aspectos, para que tenhamos condições de compreender a essência do
país de hoje.
Apesar de
Érico Veríssimo não ser citado por Raymundo Faoro, em Os Donos do Poder, até porque o livro de Faoro foi publicado antes,
as duas obras conversam de maneira intensa ao relatarem por perspectivas
diferentes os mesmos fatos que viabilizaram a constituição do Brasil enquanto
nação.
Vale muito
a leitura, que continua com O Continente
| Volume II.
Os 50 anos de O Tempo
e O Vento | Zero Hora
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