24 maio 2016

O que é ter razão?



Não sei quanto a você, mas eu tenho dificuldades para lidar com os extremos, por entender que eles são difíceis de se sustentar, na medida em que representam algo utópico a ser alcançado. Em dias de intolerância diante de posicionamentos políticos, é possível perceber claramente este tipo de situação.

De maneira simplória, se minha indignação é com esquemas de corrupção, ela não pode ser seletiva. Se defendo punição exemplar aos indivíduos apontados como envolvidos em tais esquemas, não posso tratar de maneira diferenciada o indivíduo 1 por pertencer ao partido A em relação ao indivíduo 2 que integra o partido B. Seguindo o mesmo raciocínio, se me declaro cristã, como posso defender de maneira ferrenha o linchamento e a morte de quem quer que seja?

Sem entrar no mérito dos exemplos abordados, o fato é que a defesa de posicionamentos extremos nos levam a ações contraditórias que tornam a convivência e a manutenção das relações sociais um fardo para todos. Partindo desse princípio, é fácil compreender a razão de a maioria das pessoas afirmar que uma das piores coisas na vida é lidar com pessoas, mesmo que esta afirmação seja contraditória em si mesma, pelo simples fato de sermos seres sociais.

O ser humano é, por natureza, mutável. E ainda bem que as mudanças fazem parte do nosso ser. Do contrário, qual seria a graça do viver? No que consistiria o evoluir se nos mantivéssemos os mesmos?
Parece que estou sendo contraditória ao defender as mudanças, não é mesmo? Mas não é isso. As nossas mudanças nos levam a um patamar mais elevado de nós mesmos. Aprendemos a todo momento, mesmo que não façamos esforço para isso. A vida ensina, mesmo, inclusive àquele que se dedica apenas a viver a vida do outro. A evolução é inevitável.

Ora, se minha mudança é algo inevitável, aonde está a incoerência do ser ao defender extremos?
Entendo que, na medida em que evoluímos, temos condições de rever nossos conceitos e formas de agir ao perceber que aquilo que acreditávamos ser a única resposta correta não passa de uma das infinitas possibilidades que o contexto social nos oferece. Porém, aquela era a que melhor se adequava à nossa percepção de mundo, até determinado momento. Quando aprendemos algo novo, independente da forma de aprendizado, a nossa percepção muda, pois ela é influenciada diretamente por nossas experiências e as experiências daqueles com os quais convivemos.

Ao defender e adotar posturas extremas estabeleço parâmetros que se apresentam como imutáveis. Essa impossibilidade de mudança vai de encontro a própria natureza do ser humano, caracterizado por sua eterna mutabilidade. Como tornar essa dualidade compatível? Penso ser esta busca, também, utópica.

Nas pequenas coisas do nosso cotidiano temos a possibilidade de perceber a incongruência a qual nos levam as posturas extremas. São elas que nos fazem tratar mal uma pessoa que ontem tratamos bem, em circunstâncias semelhantes. Do outro lado, aquele que se vê diante da nossa incompreensível incoerência tende a estabelecer seus próprios extremos na tentativa de se defender dos ataques, inviabilizando qualquer possibilidade de entendimento.

Por outro lado, os que buscam a conciliação nem sempre encontram o campo fértil às suas iniciativas, e para não dar razão à dureza do ser que deu o primeiro passo no caminho dos extremos - independente das causas que o levaram a isso -, tendem a recuar na tentativa de preservar a relação que, naquele momento, não se consegue estabelecer.

Às vezes é preciso dar um passo atrás diante dos obstáculos para que possamos melhor compreendê-lo em sua totalidade e, em seguida, reunir os instrumentos necessários para seguir adiante, de preferência somando esforços ao invés de dividi-los. Afinal, como já disse o professor Clóvis de Barros Filho, “A tolerância é a virtude moral de resistência ao ódio”.

O exercício da tolerância e a ponderação sobre os diversos tons que existem entre o preto e o branco nos ajudam a contribuir com o todo. Se podemos somar, qual a razão para não o fazer? Afinal, o que é ter razão?


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