06 maio 2016

A crença na liberdade

Na semana em que o WhatsApp foi bloqueado pela segunda vez no Brasil, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) dos Crimes Cibernéticos aprovou relatório com propostas  que visam garantir mais segurança aos usuários e o cumprimento das leis no ambiente virtual. Porém, ao que parece, o documento, que ainda será debatido nas comissões da Câmara, apresenta medidas que não inspiram muita confiança quanto à sua eficácia nem mesmo entre os integrantes da CPI. Um dos destaques deste relatório é a tentativa de evitar a ocorrência de novos bloqueios ao aplicativo de mensagens.

Faz parte do processo de desenvolvimento social que a legislação seja estabelecida somente depois de a realidade apontar necessidades de regulação. A iniciativa para estabelecer limites em um território que nasceu livre leva a reflexões a respeito de como a definição da conduta moral e legal esperada na internet será definida, assim como quais serão as punições que têm condições de ser, de fato, implementadas em um ambiente infinito. A dinâmica do mundo virtual não é a mesma da do mundo real.

Se a necessidade de intervenção do Estado é requerida, por outro lado, a ação deste mesmo Estado de interferir nas formas de expressão e relacionamentos estabelecidos na Internet é alvo de questionamentos, seja pelo fato de tais iniciativas serem superficiais e sem eficácia -  como parte das propostas apresentadas no relatório da CPI -, seja pela castração de liberdades individuais.

Há os que apontam ainda a importância de se levar em conta que o Estado é um complexo social que dá a indivíduos, como eu e você, a possibilidade de adotar posturas e utilizar mecanismos que são proibidos para nós, para coibir aquilo que foi definido como ilegal. Este é um ponto que não pode ser ignorado nesta discussão, por mais abstrata que seja a ideia de Estado e das instituições que o compõem, pois, todas as organizações são formadas por pessoas. Então, uma das questões é saber se os fins justificam os meios. 

Muitos dizem que não. Ambientes como a Deep Web e ações como as protagonizadas pelo grupo Anonymous são exemplos de questionamentos ao modelo que é imposto a nós cidadãos. Nos submetemos ao Estado, mesmo que de maneira inconsciente, por entender que é nosso dever agir desta forma. É a nossa cultura. É o nosso sistema de convivência. Mas não há unanimidade.

Há poucos dias, assisti a dois documentários no Netflix a respeito desta temática. Já comentei em outro post, sobre o Deep Web (2015) que conta a história de Ross Ulbricht, empresário norte-americano de 30 anos, que criou um mercado negro online, o Silk Road, no qual tudo pode ser comercializado, especialmente drogas. Influenciado pelos ideais do anarcocapitalismo, o Silk Road foi instalado na rede TOR, na qual quem navega tem o anonimato assegurado para atuar livremente.

Já o We are legion: the story of Hacktivists (2012) explica a ideologia por trás do grupo Anonymous que, de acordo com o documentário, luta pela garantia da liberdade de expressão e por menos interferência do Estado. No dia do bloqueio do WhatsApp, o grupo atuou no Brasil e bloqueou o site do Tribunal de Justiça de Sergipe, onde a decisão favorável à suspensão do serviço aconteceu.

Neste documentário, que também está disponível no YouTube, a história do grupo é contada por criadores e ativistas que, inclusive, respondem a processos e/ou foram presos pelas ações que participaram. O fato é que aquilo que é produzido pelo grupo está em nosso cotidiano, nos influencia a todo momento, e nem mesmo nos damos conta.

O que acontece nos ambientes de encontro do Anonymous e na Deep Web é o oposto do que fazemos em plataformas como o Facebook, por exemplo, na qual somos levados a nos identificar de forma pessoal e profissional e a crer numa falsa segurança de estarmos nos relacionando com indivíduos conhecidos. O Facebook nos conhece. Nós não sabemos quem está do outro lado e, muito menos, o que fazem com nossas informações. Não há segurança. Ponto. 

George Orwell, na obra 1984, publicada em 1949, acertou ao nos levar a refletir sobre a luta do poder pelo poder e as consequências disso para nosso cotidiano individual e coletivo. O debate a respeito de nossas liberdades, ou simplesmente a crença de que as temos, também é tema de discussões sobre o processo gerencial, dada a complexidade e relevância do mesmo para a obtenção dos resultados esperados pelas organizações.

Antônio Cesar Amaru Maximiano, no livro Fundamentos de Administração (2009), Editora Atlas, ao abordar a questão do fator humano no processo de controle gerencial, afirma para o leitor: “Muito do seu comportamento é controlado, sem que você se dê conta disso. ”


E, não é?

Trailler | We are legion: the story of Hacktivists

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