05 dezembro 2018

O Cortiço


Foi no ano de 1995 que li pela primeira vez o romance naturalista O Cortiço, do escritor maranhense Aluísio Azevedo, publicado pela primeira vez em 1890. À época da leitura obrigatória para a escola, responsável pela edição com 219 páginas que mantenho até hoje, ficou o desconforto com as características animalescas com as quais os personagens são descritos, que os descrevem tanto física, quanto emocionalmente.
Após releitura, realizada 23 anos depois da primeira, compreendo que a falta de compreensão sobre o mundo que orientava a percepção que tinha sobre a sociedade naquele momento dificultou o entendimento sobre o microambiente de O Cortiço, como uma representação social.
O desconforto persiste, pois, a abordagem determinista apresentava por Aluísio Azevedo nos leva a refletir sobre como somos influenciados pelo meio no qual estamos inseridos, em maior ou menor grau, positiva e/ou negativamente.
Podemos discordar da perspectiva de Darwin, que afirma não haver alternativa e que somos produtos do meio, mas não dá para negar essa influência.
Aluísio Azevedo vai além ao mostrar que o homem, apesar da racionalidade, nas atitudes não difere muito dos animais e se deixa orientar pelos instintos.
Por essa ótica, o autor apresenta os moradores, o proprietário e a vizinhança do cortiço, as relações ali estabelecidas, as atividades que viabilizam a sobrevivência, as esperanças que movem cada morador e como cada uma delas morre a cada dia, diante da penúria em que vivem.
A falta de escrúpulos para conseguir o que se quer, a inveja que alimenta a eterna insatisfação com o que se tem, a hipocrisia da sociedade, as relações por interesse, a inexistência do valor da vida, a ingratidão e o racismo daquele Brasil escravocrata, são alguns dos temas que Aluísio Azevedo aborda nesta crítica social que, apesar de ter mais de um século, é, infelizmente, muito atual. Justamente por isso, O Cortiço é um livro clássico na literatura brasileira.
Um duro silêncio de desconsolo embrutecia aquela pobre gente. Vultos sombrios, de mãos cruzadas atrás, permaneciam horas esquecidas, a olhar imóveis os esqueletos carbonizados e ainda úmidos das casinhas queimadas. Os cadáveres da Bruxa e do Libório foram carregados para o meio do pátio, disformes, horrorosos, e jaziam entre duas velas acesas, ao relento, à espera do carro da Misericórdia.  Entrava gente da rua para os ver; descobriam-se defronte deles, e alguns curiosos lançavam piedosamente uma moeda de cobre no prato que, aos pés dos dois defuntos, recebia esmola para a mortalha. Em casa de Augusta, sobre uma mesa coberta por uma cerimoniosa toalha de rendas, estava o cadaverzinho da filha morta, todo enfeitado de toalhas de renda, com um Cristo em latão à cabeceira e dois círios que ardiam tristemente. Alexandre, assentado a um canto da sala, com o rosto escondido nas mãos, chorava, aguardando o pêsame das visitas; fardara-se, só para isso, com o seu melhor uniforme, coitado!
Um pouco de realidade nua e crua as vezes é necessário para todos nós. Leitura mais do que recomendada.💭

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