Até assistir ao documentário “The People X O.J.Simpson:
American Crime Story”, eu só sabia que Orenthal James Simpson tinha sido um
jogador de futebol americano acusado de assassinar a ex-mulher Nicole Brown, em
1994, crime do qual foi inocentado em um julgamento controverso.
Disponível em formato de série, dividida em dez episódios no
Netflix, o relato dirigido por Ezra Edelman mostra aquele que foi considerado o
julgamento do século e ganhou o Oscar na categoria Melhor Documentário de 2016.
Com um elenco que inclui Cuba Gooding Jr. (O.J. Simpson),
John Travolta (Robert Shapiro), Sarah Paulson (Marcia Clark), David Schwimmer (Robert
Kardashian), Nathan Lane (F. Lee Bailey) e Courtney B. Vance (Johnny Cochran),
entre outros, é uma série que nos faz pensar em coisas como a justiça da
justiça; o papel nada imparcial da imprensa, capaz de definir destinos; a
capacidade de julgamento da sociedade diante de casos de comoção nacional e o
peso do senso comum em decisões que, prioritariamente, deveriam ser racionais.
Isso só para começar.
O.J. Simpson ascendeu socialmente em consequência do
desempenho conquistado como jogador de futebol americano, entre as décadas de
1960 e 1970, período no qual as questões raciais nos Estados Unidos ainda eram
acirradas e causas de protestos contra tratamentos diferenciados dados às
minorias.
Em localidades como Los Angeles, onde ele morava e o crime aconteceu,
a acusação de um departamento de polícia racista era baseada em fatos como o
espancamento de um taxista negro, por policiais brancos que, apesar de terem
sido flagrados por uma gravação, foram inocentados em julgamento.
O.J. Simpson foi preso como único suspeito do duplo
homicídio - além de Nicole, Ron Goldman,
também foi brutalmente assassinado na casa da ex-mulher do jogador - registrado
na noite de 12 de junho de 1994. Ele alegou inocência e foi inocentado pelo
júri por este crime, apesar da cronologia apresentada pela promotoria contra o
astro, que incluiu, entre outros elementos, 67 denúncias de violência doméstica
de Nicole contra o ex-marido.
A série mostra os bastidores do julgamento, desde a
descoberta dos corpos, passando pela fuga do jogador, sob escolta da polícia,
que foi transmitida em rede nacional, até a deliberação do júri, após quatro
meses de trabalho na corte norte-americana.
Mais do que o simples embate entre acusação e defesa, o
documentário revela o quanto a imprensa pode ser sórdida e influenciar a
opinião pública que, neste caso, já estava dividida entre aqueles que
consideravam o caso como mais um de racismo da polícia de Los Angeles e os que
não tinham dúvida da responsabilidade de O.J.
Aliás, no desenrolar da trama, é possível identificar que
O.J. é um ser de personalidade, no mínimo, perturbadora. Mesmo sem capacitação
técnica definir diagnósticos, minha percepção é de um psicopata que saiu do
nada e conquistou seu espaço por mérito, mas que se via alguém como acima de tudo
e todos, inclusive das questões raciais. Para ele, os episódios de violência
contra Nicole, por exemplo, foram corriqueiros e “coisas de casal”.
Mas não é somente o caráter de O.J. Simpson que pode ser
questionado. A postura dos advogados de defesa, do juiz do caso, assim como de
algumas outras personagens que agregam informações ao documentário, é um
capítulo que considero perturbador, assim como os ataques à promotora Márcia
Clark. Afinal, do que somos capazes de fazer e/ou nos submeter para conseguir
aquilo que queremos?
Maquiavel pode nos ajudar nesta reflexão.
Orenthal James Simpson foi condenado a 33 anos de prisão em
julgamento posterior ao caso Nicole Brown e Ron Goldman (até hoje sem culpado
identificado) por roubo, formação de quadrilha, entre outras acusações. E,
apesar da questionável personalidade do ex-jogador, ele ainda é tratado como
ídolo por muitos. Aliás, este ano, O.J. Simpson tem direito ao pedido de
liberdade condicional à justiça norte-americana, por bom comportamento.
Este é um documentário que apesar da temática dura, merece
ser assistido, não só por ter conquistado o Oscar, mas por tratar das relações
sociais e do nosso papel, enquanto cidadãos, da sociedade que queremos.
Confira a linha do tempo do "julgamento do século" neste especial ESPN.