01 março 2017

RM | Dos padrões sociais à liberdade do ser

As biografias e perfis de importantes personagens da história são atraentes. Conhecer a trajetória das pessoas é uma das formas mais eficazes de aprendizado, além de ser uma oportunidade de mais uma vez compreendermos que, de maneira geral, o sucesso e destaque conquistados são consequência da dedicação da personagem em determinada área.
Ao ter em mãos um livro intitulado “Roberto Marinho” (Jorge Zahar Ed., 2004), de autoria do jornalista Pedro Bial, alguns pensamentos inevitavelmente surgem. O primeiro é que dificilmente o livro deixará de trazer curiosidades a respeito da vida do homem que se confunde com a vida das organizações Globo. Se este pensamento anima, o segundo não causa o mesmo sentimento, pois imaginar liberdade na escrita para revelar o perfil do patrão, situação vivida por Bial, é uma ilusão. Somente encarando a leitura para descobrir o resultado do impasse!
Já nas primeiras linhas da obra, Bial faz questão de deixar registrar que não, “Roberto Marinho” não é um livro “chapa-branca”. Só se não for para ele, pois no decorrer das 390 páginas que compõem a obra o jornalista, consagrado pela qualidade dos textos produzidos ao longo da carreira, nos presenteia (?) com uma enxurrada de adjetivos para categorizar o biografado, ignorando os mais básicos ensinamentos jornalísticos -  que diz para evita-los, apesar de ser o mínimo que se espera de um texto escrito por um jornalista sobre outro.
Na verdade, essa é apenas uma das expectativas que Bial não atende ao nos apresentar um livro sem linearidade, apesar de se propor a seguir a ordem cronológica dos fatos. A narrativa é posta como uma conversa com o leitor que, na medida em que acontece, remete a novos fatos, num processo que imprime idas e vindas ao longo do texto que por vezes o tornam cansativo e nem um pouco envolvente.
Mesmo assim, não é um livro a ser desconsiderado, pois a vida de Roberto Marinho se confunde com os fatos mais importantes da história do Brasil que, mesmo de maneira sucinta, são relatados, tendo, em muitos deles participação significativa do biografado, como, por exemplo, o episódio do suicídio de Getúlio Vargas; o Golpe ou a Revolução de 64, como queira; e a redemocratização do país.

Roberto Marinho

E nesse vai e vem que é a narrativa, distribuída em capítulos sem o mínimo de padrão, cheguei a pensar que Bial não traçaria o perfil de Roberto Marinho, objetivo do livro. Mas de maneira sutil e surpreendente, ao fugir do padrão estilístico deste tipo de obra, o autor faz isso sim e muito bem.
Pedro Bial começa apontando os parâmetros balizadores de Roberto Marinho, sendo o principal deles, o pai do biografado, Irineu Marinho, que tem a trajetória apresentada logo depois da explicação sobre o livro ser ou não “chapa-branca”. A segunda distinção importante que o autor faz é que este não é um livro sobre as organizações Globo, apesar da vida e os valores de Roberto Marinho darem sentido às empresas. Dá para conhecer um pouco mais sobre elas, apesar de não ser o foco.
E a respeito de Roberto Marinho, dá para saber? Mesmo não se aprofundando como possivelmente faria um autor que não fosse empregado do biografado, Pedro Bial apresenta gradativamente características do ser humano Roberto Marinho que, a meu ver, era uma pessoa que acima de tudo foi honesta consigo mesma. Neste sentido, entendo que ele exerceu sua liberdade de ser em sentido pleno.
Depois da experiência com cocaína que o levou a um processo de reabilitação, ainda na juventude, optou por um estilo de vida abstêmio. Passou a cultuar o corpo e a se dedicar à prática de esportes. Com alimentação regrada; competitivo ao extremo nas modalidades esportivas nas quais se envolveu, inclusive com idade avançada; Roberto Marinho foi o representante dos valores sociais conservadores, casou a primeira vez aos 42 anos, em uma época em que esta era uma idade avançada, e não aguentou manter um casamento que já não existia, mas era mantido pelas aparências e fazia dele reféns os envolvidos, inclusive os filhos que declaram ao livro que sabiam que a relação dos pais era uma farsa. Casou novamente e aos 84 anos não hesitou em ir em busca da felicidade novamente. Voltou a enfrentar o divórcio para viver uma nova paixão.
Mais do que o construtor de um império empresarial, Roberto Marinho construiu relações que, para serem sólidas precisam ser baseadas na confiança mútua, o que só é possível a partir do autoconhecimento. Foi a partir dele que o dr. Roberto conseguiu identificar valores e estabelecer limites e padrões à própria vida. Isso é muito diferente da eterna busca por adequação aos padrões sociais estabelecidos (inclusive por ele), que nos tornam prisioneiros. Roberto Marinho estabeleceu padrões sociais, mas nem sempre -  ou quase nunca -  os seguiu. Foi livre, acima de tudo.
Apesar dos pesares, vale a leitura!

Best quote: “Não duvidem de mim!”
Nova Biografia

Há alguns dias descobri que o jornalista Leonencio Nossa está escrevendo uma biografia sobre Roberto Marinho, em dois volumes. Recentemente ele publicou série de reportagens intitulada “Nova Veredas: O mapa do Grande Sertão nos 50 anos da morte de Guimarães Rosa”, publicada no Estadão, na qual revela um texto primoroso em um trabalho que vale a leitura de cada linha.