As biografias
e perfis de importantes personagens da história são atraentes. Conhecer a
trajetória das pessoas é uma das formas mais eficazes de aprendizado, além de
ser uma oportunidade de mais uma vez compreendermos que, de maneira geral, o
sucesso e destaque conquistados são consequência da dedicação da personagem em
determinada área.
Ao ter em
mãos um livro intitulado “Roberto Marinho” (Jorge Zahar Ed., 2004), de autoria
do jornalista Pedro Bial, alguns pensamentos inevitavelmente surgem. O primeiro
é que dificilmente o livro deixará de trazer curiosidades a respeito da vida do
homem que se confunde com a vida das organizações Globo. Se este pensamento
anima, o segundo não causa o mesmo sentimento, pois imaginar liberdade na
escrita para revelar o perfil do patrão, situação vivida por Bial, é uma
ilusão. Somente encarando a leitura para descobrir o resultado do impasse!
Já nas
primeiras linhas da obra, Bial faz questão de deixar registrar que não,
“Roberto Marinho” não é um livro “chapa-branca”. Só se não for para ele, pois
no decorrer das 390 páginas que compõem a obra o jornalista, consagrado pela
qualidade dos textos produzidos ao longo da carreira, nos presenteia (?) com
uma enxurrada de adjetivos para categorizar o biografado, ignorando os mais
básicos ensinamentos jornalísticos - que
diz para evita-los, apesar de ser o mínimo que se espera de um texto escrito
por um jornalista sobre outro.
Na verdade,
essa é apenas uma das expectativas que Bial não atende ao nos apresentar um
livro sem linearidade, apesar de se propor a seguir a ordem cronológica dos
fatos. A narrativa é posta como uma conversa com o leitor que, na medida em que
acontece, remete a novos fatos, num processo que imprime idas e vindas ao longo
do texto que por vezes o tornam cansativo e nem um pouco envolvente.
Mesmo assim,
não é um livro a ser desconsiderado, pois a vida de Roberto Marinho se confunde
com os fatos mais importantes da história do Brasil que, mesmo de maneira
sucinta, são relatados, tendo, em muitos deles participação significativa do
biografado, como, por exemplo, o episódio do suicídio de Getúlio Vargas; o
Golpe ou a Revolução de 64, como queira; e a redemocratização do país.
Roberto
Marinho
E nesse vai e
vem que é a narrativa, distribuída em capítulos sem o mínimo de padrão, cheguei
a pensar que Bial não traçaria o perfil de Roberto Marinho, objetivo do livro.
Mas de maneira sutil e surpreendente, ao fugir do padrão estilístico deste tipo
de obra, o autor faz isso sim e muito bem.
Pedro Bial
começa apontando os parâmetros balizadores de Roberto Marinho, sendo o
principal deles, o pai do biografado, Irineu Marinho, que tem a trajetória
apresentada logo depois da explicação sobre o livro ser ou não “chapa-branca”.
A segunda distinção importante que o autor faz é que este não é um livro sobre
as organizações Globo, apesar da vida e os valores de Roberto Marinho darem
sentido às empresas. Dá para conhecer um pouco mais sobre elas, apesar de não
ser o foco.
E a respeito
de Roberto Marinho, dá para saber? Mesmo não se aprofundando como possivelmente
faria um autor que não fosse empregado do biografado, Pedro Bial apresenta
gradativamente características do ser humano Roberto Marinho que, a meu ver,
era uma pessoa que acima de tudo foi honesta consigo mesma. Neste sentido,
entendo que ele exerceu sua liberdade de ser em sentido pleno.
Depois da
experiência com cocaína que o levou a um processo de reabilitação, ainda na
juventude, optou por um estilo de vida abstêmio. Passou a cultuar o corpo e a
se dedicar à prática de esportes. Com alimentação regrada; competitivo ao
extremo nas modalidades esportivas nas quais se envolveu, inclusive com idade
avançada; Roberto Marinho foi o representante dos valores sociais
conservadores, casou a primeira vez aos 42 anos, em uma época em que esta era
uma idade avançada, e não aguentou manter um casamento que já não existia, mas
era mantido pelas aparências e fazia dele reféns os envolvidos, inclusive os
filhos que declaram ao livro que sabiam que a relação dos pais era uma farsa.
Casou novamente e aos 84 anos não hesitou em ir em busca da felicidade
novamente. Voltou a enfrentar o divórcio para viver uma nova paixão.
Mais do que o
construtor de um império empresarial, Roberto Marinho construiu relações que,
para serem sólidas precisam ser baseadas na confiança mútua, o que só é
possível a partir do autoconhecimento. Foi a partir dele que o dr. Roberto
conseguiu identificar valores e estabelecer limites e padrões à própria vida.
Isso é muito diferente da eterna busca por adequação aos padrões sociais
estabelecidos (inclusive por ele), que nos tornam prisioneiros. Roberto Marinho
estabeleceu padrões sociais, mas nem sempre -
ou quase nunca - os seguiu. Foi
livre, acima de tudo.
Apesar dos
pesares, vale a leitura!
Best quote: “Não duvidem de mim!” |
Nova Biografia
Há alguns
dias descobri que o jornalista Leonencio Nossa está escrevendo uma biografia
sobre Roberto Marinho, em dois volumes. Recentemente ele publicou série de reportagens
intitulada “Nova Veredas: O mapa do Grande Sertão nos 50 anos da morte de Guimarães Rosa”, publicada no Estadão, na qual revela um texto primoroso em um
trabalho que vale a leitura de cada linha.