06 abril 2016

Entre o ideal e o possível

Uma das poucas certezas que temos na vida é que é mínima a probabilidade de aquilo que planejamos acontecer exatamente como o idealizado. Não direi que ela é nula, pois a vida é realmente imprevisível e nos revela a cada dia que o controle de tudo não passa de uma ilusão, tanto nos grandes, quanto nos pequenos aspectos do cotidiano.

Esta constatação não é justificativa para ficarmos à deriva neste mar de eventos que é a vida. Não! Como o romancista britânico Lewis Carrol bem disse, em Alice no País das Maravilhas, “se você sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve”. É preciso definir metas, estabelecer trajetórias, pensar em alternativas, porém, sem esquecer que precisamos viver em constante adaptação. Afinal, sempre estaremos entre o ideal e o possível.

Exemplo disso foi o cumprimento do prazo de uma semana para leitura do livro Esaú e Jacó, de Machado de Assis , publicação que integra a coleção Obra-prima de Cada Autor, da Editora Martin Claret. O limite foi extrapolado em três dias, por causas das contingências da vida que, em alguns momentos, impediram a leitura das páginas estabelecidas no cronograma. Apesar da dificuldade para seguir à risca o planejamento, as adaptações necessárias foram feitas, para que o resultado final fosse alcançado: a leitura concluída e as reflexões a respeito da obra registradas.

Assim como agimos diariamente, adaptando nossas necessidades e anseios ao que é possível, a partir do que planejamos e definimos como metas, as contingências e a incapacidade de controlar a vida em sua plenitude são a linha mestra da obra machadiana.

Tendo como pano de fundo um Brasil submerso em grandes transformações ao passar pela Proclamação da República, Machado de Assis conversa com a leitora – sim, no feminino – para revelar as angustias que afligem a mãe dos gêmeos Pedro e Paulo, desde o período da gestação, a respeito do futuro dos filhos.

Se na aparência confundiam até os mais próximos, a similaridade entre os irmãos só voltou a se revelar na paixão pela mesma mulher. Aliás, este sentimento só intensificou as razões das discórdias entre os dois que, por mais que tentassem evitar, sucumbiam às divergências baseadas nas concepções políticas – um revolucionário e o outro conservador-, nas escolhas profissionais – um advogado e um médico -, na forma de ver a vida e defender as convicções individuais.

Em Esaú e Jacó, Machado de Assis nos aproxima do subconsciente das personagens ao revelar suas dúvidas, desafetos, angústias e pensamentos não externados durante os diálogos e decorrer dos fatos. A convivência cordial com amores mal resolvidos; necessidade de aprender a respeitar posicionamentos políticos e ideológicos contrários; exercício de aceitação dos pares e adaptação às mudanças são alguns dos aspectos trabalhados pelo autor ao mostrar a trajetória de vida dos irmãos.

Conhecido por ser um escritor à frente do seu tempo, Machado de Assis traz à obra aspectos do Espiritismo que, à época da publicação da primeira edição do livro (1904), era uma doutrina envolta em misticismos. Neste período, as transformações pelas quais passavam o Rio de Janeiro, o resto do País e a população brasileira são apresentadas à leitora a partir de personagens que têm as histórias entrelaçadas com as dos integrantes da família central.

Esaú e Jacó é a penúltima obra publicada por Machado de Assis. Neste livro, apresenta Aires, diplomata e ex-ministro, viúvo, que traz consigo a contida paixão da juventude pela mãe dos gêmeos. Aires desenvolve uma boa relação de tutoria com Pedro e Paulo, a despeito do desprezo que sente pelo pai dos irmãos. Aires mantém um caderno de anotações que será revelado na última obra machadiana, intitulada Memorial de Aires.

Com o estilo realista que o caracteriza, Machado de Assis é um escritor clássico da literatura brasileira que ao mesmo tempo em que nos apresenta seus romances, nos oferece detalhes da nossa história, como faz em Esaú e Jacó, ao narrar importantes momentos da sociedade carioca, como o Baile da Ilha Fiscal, último do reinado de Dom Pedro II, dias antes da Proclamação da República. Vale a leitura!

“Às vezes, falar não custa menos que pensar”, Machado de Assis

Depois da companhia de Machado de Assis, a semana será de interação com Schopenhauer!

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