27 abril 2016

A arte de escrever

Não sei quanto a você, mas a imagem que sempre criei ao ouvir alguém falando a respeito dos filósofos era de homens de meia-idade, sérios, com olhar reflexivo e sempre ponderados em suas colocações. O verbo é no passado mesmo, pois após a conclusão da leitura do livro A Arte de Escrever, de Schopenhauer,  da L&PM Editores (2013), tudo mudou.

A obra, que integra a coleção L&PM Clássicos, é composta por cinco artigos do filósofo alemão, Arthur Schopenhauer (1788-1860), nos quais ele fala “Sobre a erudição e os eruditos”; “Pensar por si mesmo”, “Sobre a escrita e o estilo”; “Sobre a leitura e os livros”; e “Sobre a linguagem e as palavras”. Neste livro é possível conhecer muito mais do que os pensamentos do filósofo já que, a cada linha, ele revela os fortes traços de sua personalidade.

Além de analista da língua, o que considera “uma obra de arte e (que) deve ser tratada como tal”, Schopenhauer é crítico do trabalho de outros escritores alemães, aos quais não poupa elogios depreciativos como descerebrados, medíocres, patifes e burros, e nem hesita em citá-los nominalmente em seus textos, como Hegel.

O incômodo que o alemão sente diante dos trabalhos publicados por parte dos seus contemporâneos e – para seu desgosto – consumidos pela sociedade à época como clássicos, tem como causa o que o autor considera a depreciação da língua. Schopenhauer acredita que a superficialidade predominante à época, resulta do posicionamento cada vez mais afastado que os escritores adotam em relação às regras gramaticais e ao uso adequado de termos significados e estruturas clássicas.

“Não há nenhum erro maior do que o de acreditar que a última palavra dita é sempre a mais correta, que algo escrito mais recentemente constitui um aprimoramento do que foi escrito antes, que toda mudança é um progresso. ”

Veja que ele fala do processo produtivo de meados do século XIX, dá para imaginar o que diria sobre a era do compartilhamento?

O filósofo alemão destila sua ira ao falar a respeito dos que escrevem para ganhar dinheiro -  incluindo os jornalistas-, prática que, segundo ele, diferencia tais escritores por completo daqueles que de maneira honrosa são denominados de filósofos clássicos. Neste sentido, Schopenhauer destaca que a qualidade da escrita é um reflexo da qualidade do pensamento do autor.

 “(...) escrever mal, ou de modo obscuro, significa pensar de modo confuso e indistinto. (...). A obscuridade e a falta de clareza da expressão são sempre um péssimo sinal. Pois em noventa e nove por cento dos casos elas se baseiam na falta de clareza do pensamento, que por sua vez resulta quase sempre de um equívoco, uma inconsistência e incorreção mais originais. ”

Para chegar a este nível de clareza, diz Schopenhauer, não se deve ler exaustivamente, como costuma-se dizer. O escritor alemão afirma que apenas os que têm o dom da escrita conseguirão aprender a partir dos exemplos de outros escritores e selecionar o que devem ou não fazer em sua própria construção textual.

O alemão inicia seus escritos afirmando que aqueles que leem exaustivamente, estão, na verdade, impondo pensamentos exteriores ao seu imaginário, na medida em que o impedem de exercer reflexões próprias. Esta prática -  a do estímulo e prática dos próprios pensamentos -  é, segundo Schopenhauer o caminho para o prazer e a felicidade.

“A leitura impõe ao espírito pensamentos que, em relação ao direcionamento e à disposição dele naquele momento, são tão estranhos e heterogêneos quanto é o selo em relação ao lacre sobre o qual imprime sua marca. Desse modo, o espírito sofre uma imposição completa do exterior para pensar, naquele instante, uma coisa ou outra, isto é, para pensar determinados assuntos aos quais ele não tinha na verdade nenhuma propensão ou disposição.”

Vale destacar que, se me conhecesse, Schopenhauer teceria críticas a mim por ser Jornalista, por ter lido um livro que não é o dele, mas de artigos selecionados por terceiros, e por estar escrevendo esta resenha. Ah! Certamente ele o criticaria também, prezado leitor, por consumir este tipo de material! Rs... Para o filósofo, se queremos conhecer o pensamento de alguém, devemos ir ao original, ao clássico que, não à toa, recebeu esta denominação!

Mas não pense que os textos de Arthur Schopenhauer se resumem às críticas. Não! Os escritos abordam temas como neologismos, prolixidade, sufixos, prefixos, objetividade, subjetividade, anonimato, figuras de linguagens, tempos verbais, clareza, concisão, entre outros que – se bem dominados -  auxiliam n’A Arte de Escrever. Ao mesmo tempo, o filósofo ressalta ser este um fazer que, apesar de sua condição de arte, requer dedicação e esforço: “Dizem que Platão redigiu a introdução de sua República sete vezes, com diversas modificações”.


“Assim, a primeira regra do bom estilo, uma regra que praticamente se basta sozinha, é que se tenha algo a dizer. Ah, sim, com isso se chega longe! ”
Vale a leitura!

Nenhum comentário:

Postar um comentário