27 março 2016

1889 e uma breve reflexão sobre a República Brasileira

Melancolia. Desconforto. Inquietação. Esses foram alguns dos sentimentos que me acompanharam durante a leitura e a após a conclusão do terceiro livro da trilogia escrita pelo jornalista Laurentino Gomes (1808, 1822 e 1889). Os títulos fazem referências aos três anos marcados por momentos de rupturas na história nacional: A chegada da família Real no Brasil e a abertura dos portos; A proclamação da Independência; e A proclamação da República.

Diferente do que aconteceu nas obras anteriores, o relato feito em 1889 sobre um Brasil pré e pós-proclamação da República desfaz mitos e momentos ao revelar práticas que, se mudássemos os nomes dos personagens, poderíamos afirmar que a história contada faz referência a momentos contemporâneos. Só que não!

Nos dois primeiros livros, a narrativa nos leva a acompanhar uma gradação de eventos que nos induzem a crer que apesar da forte influência europeia, sobretudo a inglesa, e os desmandos da aristocracia rural, a formação da identidade nacional brasileira se mostrou mais forte, inclusive nas brigas pela manutenção da unidade territorial.

Em 1889, passamos a falar de um Brasil de quase 130 anos atrás, mas que apesar dos inegáveis avanços enquanto nação, pouco mudou em sua forma de agir com a coisa pública. Neste quesito, o livro nos mostra que as ideologias e o bem comum sempre perderam espaço – se é que algum dia o tiveram - para os interesses pessoais, o que nos leva a crer que práticas como o patrimonialismo, o espírito golpista e a tendência a acreditar que sistemas ditatoriais oferecem melhores respostas aos anseios sociais são inerentes à nossa cultura.

Talvez neste ponto esteja a causa da minha inquietação. Não me permito acreditar nisso, pelo simples fato de minha natureza não ser conformista. Integro o time dos que acreditam que contra fatos há argumentos sim, afinal, tudo na vida é relativo. Inclusive a interpretação dos próprios fatos.

E para narrar os fatos que envolvem o fim do segundo reinado brasileiro, sob o comando de um apático Dom Pedro II durante 49 dos 67 anos nos quais o Brasil foi um Império, Laurentino Gomes faz uso da mesma estratégia que torna a trilogia envolvente. O jornalista nos apresenta os personagens essenciais que fizeram parte da mudança do Brasil Império para a República, em seus respectivos contextos, como forma de traçar um panorama sobre como e o porquê de as transformações terem acontecido, quem somos e parte da razão dos caminhos que trilhamos para chegar até aqui.

É incomodo perceber que as mudanças da história nacional tiveram como pano de fundo articulações golpistas (termo usado pelo autor), em detrimento de revoluções com a participação popular, apesar de a sociedade sempre ter sido usada como justificativa para atos como dissolução do congresso, suspensão de direitos constitucionalmente garantidos, entre outros, embasados na afirmativa de que tais ações visavam manter a ordem e garantir o bem da nação ou algo que o valha.

O fato é que a proclamação da República não aconteceu oficialmente, apenas a provisória, o que só mudou com o plebiscito realizado em 1993 - para a definição do sistema de governo brasileiro - em cumprimento à promessa feita por Benjamin Constant, em 1889. Ou seja, o 15 de novembro não passou de um golpe para a derrubada do sistema imperial que já não agradava mais aos militares e a elite brasileira.

É triste perceber que personagens históricos, incluindo ícones da cultura nacional, como Machado de Assis e José de Alencar, por exemplo, dependiam de cargos públicos – em sua maioria de fachada, para não dizer fantasmas -  para sustentar o processo produtivo de obras que resultavam muito mais das expectativas da elite nacional -  que queria se ver idêntica à nobreza europeia - do que da inspiração e talentos de cada um.

No mesmo caminho seguido por José Bonifácio, durante o primeiro reinado, que deixou de lado convicções para viabilizar os planos de poder idealizados com Dom Pedro I,  Rui Barbosa, enquanto Ministro da Fazenda do primeiro governo da República, sob o comando do Marechal Deodoro da Fonseca, esqueceu a promessa de uma gestão austera para colocar o país “nos trilhos” e foi responsável pelo decreto que levou Brasil a viver, a partir de 1890, uma bolha financeira com consequências que comprometeram a organização e o desenvolvimento da nação, como o episódio similar vivenciado pelos Estados Unidos em 2008.

É incômodo perceber que boa parte da história relatada nas 380 páginas do livro 1889 não é abordada no período escolar, como a crueldade das guerras e dos presidentes que marcaram, entre outras coisas, a manutenção do sistema e da unidade territorial do Brasil. Não sei qual a razão disso, mas esta é sem dúvida uma incógnita que intriga e merece reflexão.

Mas, calma! Nem tudo está perdido! É aos poucos que a nossa realidade é transformada e, como bem relata Laurentino Gomes em sua obra, no ano de 1984, com a Campanha das Diretas, o povo é protagonista, pela primeira vez, de uma das principais transformações vivenciadas pelo Brasil em seus mais de 480 anos de história, à época. E é aí onde está a esperança de construção de uma sociedade mais justa:  o empoderamento social.

Para que a transformação seja viabilizada, precisamos conhecer nossa história e evitar que os erros sejam repetidos. Vale a leitura! 

A obra é uma publicação da Editora Globo que, inclusive, já lançou edições revisadas e ampliadas da trilogia, além das juvenis, que são ilustradas e têm linguagem adaptada.

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