Melancolia. Desconforto. Inquietação. Esses foram alguns dos
sentimentos que me acompanharam durante a leitura e a após a conclusão do
terceiro livro da trilogia escrita pelo jornalista Laurentino Gomes (1808, 1822
e 1889). Os títulos fazem referências aos três anos marcados por momentos de
rupturas na história nacional: A chegada da família Real no Brasil e a abertura
dos portos; A proclamação da Independência; e A proclamação da República.
Diferente do que aconteceu nas obras anteriores, o relato feito
em 1889 sobre um Brasil pré e pós-proclamação da República desfaz mitos e
momentos ao revelar práticas que, se mudássemos os nomes dos personagens, poderíamos
afirmar que a história contada faz referência a momentos contemporâneos. Só que
não!
Nos dois primeiros livros, a narrativa nos leva a acompanhar
uma gradação de eventos que nos induzem a crer que apesar da forte influência
europeia, sobretudo a inglesa, e os desmandos da aristocracia rural, a formação
da identidade nacional brasileira se mostrou mais forte, inclusive nas brigas pela manutenção da unidade territorial.
Em 1889, passamos a falar de um Brasil de quase 130 anos
atrás, mas que apesar dos inegáveis avanços enquanto nação, pouco mudou em sua
forma de agir com a coisa pública. Neste quesito, o livro nos mostra que as
ideologias e o bem comum sempre perderam espaço – se é que algum dia o tiveram
- para os interesses pessoais, o que nos leva a crer que práticas como o
patrimonialismo, o espírito golpista e a tendência a acreditar que sistemas
ditatoriais oferecem melhores respostas aos anseios sociais são inerentes à
nossa cultura.
Talvez neste ponto esteja a causa da minha inquietação. Não
me permito acreditar nisso, pelo simples fato de minha natureza não ser
conformista. Integro o time dos que acreditam que contra fatos há argumentos
sim, afinal, tudo na vida é relativo. Inclusive a interpretação dos próprios
fatos.
E para narrar os fatos que envolvem o fim do segundo reinado
brasileiro, sob o comando de um apático Dom Pedro II durante 49 dos 67 anos nos
quais o Brasil foi um Império, Laurentino Gomes faz uso da mesma estratégia que
torna a trilogia envolvente. O jornalista nos apresenta os personagens
essenciais que fizeram parte da mudança do Brasil Império para a República, em
seus respectivos contextos, como forma de traçar um panorama sobre como e o porquê
de as transformações terem acontecido, quem somos e parte da razão dos caminhos
que trilhamos para chegar até aqui.
É incomodo perceber que as mudanças da história nacional tiveram
como pano de fundo articulações golpistas (termo usado pelo autor), em
detrimento de revoluções com a participação popular, apesar de a sociedade
sempre ter sido usada como justificativa para atos como dissolução do
congresso, suspensão de direitos constitucionalmente garantidos, entre outros, embasados
na afirmativa de que tais ações visavam manter a ordem e garantir o bem da nação
ou algo que o valha.
O fato é que a proclamação da República não aconteceu oficialmente,
apenas a provisória, o que só mudou com o plebiscito realizado em 1993 - para a definição
do sistema de governo brasileiro - em cumprimento à promessa feita por Benjamin Constant, em 1889. Ou seja, o 15 de novembro não passou de um golpe para a
derrubada do sistema imperial que já não agradava mais aos militares e a elite brasileira.
É triste perceber que personagens históricos, incluindo
ícones da cultura nacional, como Machado de Assis e José de Alencar, por
exemplo, dependiam de cargos públicos – em sua maioria de fachada, para não dizer
fantasmas - para sustentar o processo
produtivo de obras que resultavam muito mais das expectativas da elite nacional
- que queria se ver idêntica à nobreza
europeia - do que da inspiração e talentos de cada um.
No mesmo caminho seguido por José Bonifácio, durante o
primeiro reinado, que deixou de lado convicções para viabilizar os planos de
poder idealizados com Dom Pedro I, Rui
Barbosa, enquanto Ministro da Fazenda do primeiro governo da República, sob o
comando do Marechal Deodoro da Fonseca, esqueceu a promessa de uma gestão
austera para colocar o país “nos trilhos” e foi responsável pelo decreto que levou
Brasil a viver, a partir de 1890, uma bolha financeira com consequências que
comprometeram a organização e o desenvolvimento da nação, como o episódio
similar vivenciado pelos Estados Unidos em 2008.
É incômodo perceber que boa parte da história relatada nas
380 páginas do livro 1889 não é abordada no período escolar, como a crueldade
das guerras e dos presidentes que marcaram, entre outras coisas, a manutenção do
sistema e da unidade territorial do Brasil. Não sei qual a razão disso, mas
esta é sem dúvida uma incógnita que intriga e merece reflexão.
Mas, calma! Nem tudo está perdido! É aos poucos que a nossa
realidade é transformada e, como bem relata Laurentino Gomes em sua obra, no
ano de 1984, com a Campanha das Diretas, o povo é protagonista, pela primeira
vez, de uma das principais transformações vivenciadas pelo Brasil em seus mais
de 480 anos de história, à época. E é aí onde está a esperança de construção de uma
sociedade mais justa: o empoderamento
social.
Para que a transformação seja viabilizada, precisamos
conhecer nossa história e evitar que os erros sejam repetidos. Vale a
leitura!
A obra é uma publicação da Editora Globo que, inclusive, já lançou edições revisadas e ampliadas da trilogia, além das juvenis, que são ilustradas e têm linguagem adaptada. |
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