Dois mil e vinte e quatro é o ano bissexto que começou em uma segunda-feira, feriado. Talvez para compensar o dia a mais que faz deste um ano diferente, por ter 366 dias ao invés dos tradicionais 365. E, para começar esta conversa, é bom registrar o quanto é estranho dizer que 2024 é diferente, como se a natureza dos dias, meses e anos não fosse essencialmente essa, a diferença.
Aliás, essa é a natureza de cada um de nós, apesar da eterna insistência de busca por similaridades e modelos em coisas, pessoas, tempos e momentos que não podem ser iguais.
Nós mesmos já estamos diferentes do que éramos desde o início da leitura / escrita dessas linhas, pois, já que falamos da natureza das coisas, essa é a das experiências, nos transformar.
A experiência da escrita, neste momento, por exemplo, tem o propósito de organizar as ideias que povoam o pensamento em um período propício a tais reflexões.
As justificativas para isso são variadas, a começar pelo fato de esses são dias nos quais o mundo para, literalmente, como se precisasse descarregar a bateria para alcançar um estado de neutralidade capaz de zerar o marcador das ações, pensamentos, atitudes e tudo o que disso decorre.
Mas, na realidade, essa prática também é uma consequência do hábito de esperarmos coisas diferentes a partir da virada do cronômetro que marca o passar dos anos, mesmo que sem muita disposição de nos dar ao trabalho de mudar posturas e ações. Mudar pressupõe aprendizado e o entendimento, neste caso, sobre nós mesmos, em um mundo que permite, cada vez menos, que esse processo aconteça. Não há espaço para o silenciar da mente, e muito menos garantia de que essa será uma experiência satisfatória.
Contraditório falar que este é um período no qual o mundo para e dizer que ele não nos permite refletir? Sim, somos feitos de contradições, como a realidade. A nossa revela que pausar o processo produtivo não significa estímulo à reflexão. Quanto menos isso acontecer, melhor para o processo produtivo, que logo após a pausa concedida, cobra a retomada do ritmo insano que, se vier à consciência, resultará em questionamentos, de modo geral, desfavoráveis a esse contexto.
Na verdade, assim como sabemos que a diferença é a regra, também sabemos que na vida tudo o que não temos são garantias e, neste caso, há grande probabilidade de que o silenciar da mente, quando e se ocorrer, resulte no encontro com aquilo que mesmo de maneira inconsciente não queremos observar.
Medos e inseguranças levam tanto à negação, como à construção de justificativas para não enfrentar aquilo que precisa ser encarado. E, apesar de das diferenças que nos caracterizam, há similaridades, em especial, de comportamentos.
Ainda falando sobre a pluralidade que nos define, a despeito da busca pela utópica homogeneidade social, Judith Butler, no livro “Caminhos Divergentes: judaicidade e crítica do sionismo”, reflete sobre discussões propostas por Hannah Arendt, ao afirmar que
“a pluralidade de todas e quaisquer populações constitui a precondição da vida política, e qualquer Estado político, política pública ou decisão que vise eliminar ou limitar a pluralidade é racista, quiçá genocida. (…), e embora, até certo ponto, possamos escolher com quem dividir uma cama ou uma vizinhança, não podemos escolher com quem coabitar a Terra”.
Não há dúvidas quanto a isso. Ao menos, não deveria existir, não é mesmo?
Assim, é fácil compreender como a calmaria dos primeiros dias do ano leva ao transbordamento de um conjunto de emoções abafadas pelo ruído que nos cerca e que ao submergir revela aquilo com o qual não sabemos lidar, ainda.
Porém, apesar de ocultas aos olhos do mundo, todas essas coisinhas estão ali, na expectativa de uma brecha para escapar ao controle da racionalidade e trazer à memória aquilo que realmente importa. Não há como fugir do que nos compõe enquanto indivíduos e que a cada oportunidade, encontra uma forma de lembrar que, da mesma forma, não há como escapar do que podemos e devemos fazer, afinal, a trajetória de cada um de nós é pessoal e intransferível.
Por isso, meu desejo é que, nos próximos 354 dias, possamos aceitar os sinais - aqueles mesmos que sabemos quais são! – para deixá-los orientar o agir, ao mesmo tempo em que oferece novo significado a esta jornada que só pode ser transformada e enriquecida por nós mesmos
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