31 dezembro 2016

Qual o significado do fim?



Há poucos dias uma pessoa reclamava das críticas que têm sido feitas ao ano de 2016. Segundo ela, o ano não nos fez absolutamente nada, foi apenas ele em sua contagem de tempo para balizar nossas ações.

Concordei com o argumento, pois ao ano é apenas um ciclo que nada tem de bom ou de ruim. Esta avaliação é subjetiva e esta subjetividade resulta das características que cada um de nós imprime ao tempo. E neste período propício a este tipo de avaliação, lembrei do texto de Raul Pompéia, em um dos clássicos da literatura brasileira, “O Ateneu”, que reli no final deste ano.

Nesta obra, considerada uma autobiografia do autor, Pompéia nos apresenta as memórias de Sérgio, aluno de O Ateneu, um renomado internato masculino do Rio de Janeiro do final do século XIX.

Em um dos períodos de final de ano letivo, Sérgio – que é o narrador do livro – questiona:

“Que significa 30 de dezembro? Fim de ano! E todo o fim é patético, todo fim lança nuvens de tristeza num coração que não é de pedra, todo fim comove! ”

E como comove! Tanto que, à época da leitura, destaquei este trecho justamente para usá-lo na data de hoje, pelo clima nos envolve.

A obra de Raul Pompéia é uma crítica ao modelo pedagógico vigente naquele período, mas vai além. 

O livro também nos revela como se dão as relações de poder dentro da instituição, inclusive entre os estudantes; como se dá a descoberta de si mesmo naquele ambiente, em consequência direta das relações formadas e firmadas ao longo dos anos e dos objetivos pretendidos.
Esta realidade é bem caracterizada pelas palavras do pai de Sérgio ao filho, em frente à escola, registradas nas primeiras linhas da obra:

“Vais encontrar o mundo – disse-me meu pai, à porta do Ateneu. - Coragem para a luta.”

A cada página, acompanhamos o desenvolvimento de Sérgio, a partir das próprias contradições -  inerentes ao ser humano -, mas que se revelam grandes obstáculos para o jovem estudante que, no internato, tem os primeiros contatos com o autoritarismo, a sexualidade, amizade, paixões.... Enfim, com o mundo.

Neste momento em que estamos diante do início de um novo ciclo, como quando Sérgio esteve à frente do Ateneu, podemos fazer questionamentos análogos ao do protagonista de Pompéia, sobre qual o significado de 31 de dezembro. Avançando um pouco mais, podemos nos perguntar, por exemplo, o porquê de 2016 estar sendo responsabilizado pelas consequências das nossas atitudes e o que faremos efetivamente para evitar que aquilo que não gostamos se repita e mudar. Esse balanço é determinante para o que plantaremos a partir de amanhã e avaliaremos no final do próximo ano. Pois, agora, estamos colhendo o que foi plantado lá atrás.

Sérgio percebeu que nossas experiências nos moldam, mas somente até o ponto que cada um de nós permitir. Temos livre-arbítrio para ser e agir como quisermos, mas que devemos também levar em consideração as consequências dessas escolhas aos que nos rodeiam. Pois elas acontecerão!

Em essência, precisamos lembrar que tudo o que temos hoje são recordações, como nos disse o narrador:


“Saudades verdadeiramente? Puras recordações, saudades talvez se ponderarmos que o tempo é a ocasião passageira dos fatos, mas sobretudo - o funeral para sempre das horas.”

Então, qual é o significado de 31 de dezembro?

Reflexão Sérgio, em O Ateneu, sobre o significado do fim