03 julho 2016

Diálogos sobre "como eu era antes de você"



A vida nos surpreende diariamente ao nos colocar em contato com os mais diferentes tipos de pessoas. É através delas que descobrimos possibilidades; conhecemos e reconhecemos mais sobre nós mesmo; e encontramos inspirações e motivos para escolher este ou aquele caminho a seguir.

A nossa trajetória é tão impregnada pela influência do outro que, muitas vezes, temos a necessidade de afirmar independência apenas para tentar convencer à nós mesmos que alguma liberdade nos resta, mesmo que nossos atos revelem o contrário, deixando clara a incoerência que nos orienta.

Os seis meses de convivência de Will Traynor e Lou Clarck, em “Como eu era antes de você” (Jojo Moyes | Editora Intrínseca), pode parecer um período curto para envolvê-los em uma relação de almas tão intensa. Porém, a cronologia não tem capacidade de interferir na sintonia que penetra o mais íntimo do ser em encontros que chegam ao ponto de revelar aquilo que tentamos esconder, inclusive de nós mesmos, sob sete chaves. 

Lou se descobre a partir da luta que trava para tentar fazer com que Will perceba que, apesar de todas as dificuldades que a vida como tetraplégico o impõem, há razões para viver e que as barreiras que enfrenta não precisam ser vistas como empecilhos à felicidade, mas sim estímulo à criatividade para encontrar alternativas aos padrões ditos normais. Sim, sempre há alternativa!

Os valores morais ditados pela sociedade e que orientam o nosso caminhar muitas vezes nos levam a uma busca de encaixe aos estereótipos que resultam em feridas no nosso próprio eu. 

Lou se esconde dela mesma após um suposto estupro na adolescência, do qual ela se sente culpada, até que Will a faz ver que a vítima nunca tem culpa. Ela nem mesmo tinha noção do quanto este episódio não revelado a levou a optar por um estilo de vida sem vida e/ou expectativas. Se conformou com um dia após o outro, enquanto ele viveu intensamente tudo o que a beleza, o dinheiro e uma carreira bem-sucedida poderiam oferecer. Até que um atropelamento uniu as duas vidas, até então, completamente antagônicas e que dificilmente se encontrariam. 

O relato de Lou sobre esta convivência nos leva a questionamentos como: Podemos mesmo prever o que o a vida tem guardada para nós? O que estamos perdendo ao simplesmente excluir de nossas vidas tudo aquilo que consideramos não estar em nossos planos, sem ao menos levar em consideração que sempre há uma razão para os inesperados encontros e alternativas que desconhecemos? Sobre o que temos controle, afinal?

A forte personalidade de Will e de Lou resulta em diálogos rudes, sarcásticos, inteligentes e repletos de descobertas, tanto a respeito deles mesmos como do mundo que os rodeia e complementa. E diante de tantas diferenças e similaridades, eles se descobrem. E, a partir das conversas e experiências cognitivas, ganham cada vez mais espaço na vida e nos pensamentos um do outro, o que revela o poder das palavras e das interações sinceras, de alma, daquelas em que uma troca de olhares é suficiente para acalentar e dar sentido a tudo, por mais que fuja aos padrões preestabelecidos. Afinal, quem os ditou não conhecia todas as possibilidades. Ninguém as conhece, não é mesmo? 

Dentre as várias lições que o livro nos traz em suas 318 páginas está a importância de nos permitir conhecer o outro e viver as experiências que a vida nos oferece, assim como perceber o diferente como novas possibilidades e oportunidades, livre de prejulgamentos. 

A narrativa de Jojo Moyes nos faz enfrentar uma montanha russa de emoções capaz de tirar o fôlego diante da densa forma com que Lou Clark nos revela seus pensamentos, percepções e sentimentos.
Sem dúvida, vale muito a leitura! Classificação 5/5. 

O Filme

A filme estrelado por Emilia Clarke (Louisa Clark) e Sam Claflin (Will Traynor) nos tira muitas risadas e lágrimas, ao nos revelar a síntese da obra. E apesar de, como uma boa adaptação, alterar acontecimentos e excluir fatos e personagens, dá uma boa noção do que o livro revela e as reflexões que propõe sobre vida e morte, valores sociais e nossa postura diante de nós mesmos e dos outros. 

Vale a ida ao cinema, mas não substitui a leitura! Classificação 3/5.



E pronto. Ele sabia e eu também. Não havia mais nada que eu pudesse fazer. Sabe como é difícil não dizer nada? Quando seu corpo inteiro quer fazer o contrário? Eu ensaiara não dizer nada durante todo o caminho do aeroporto até ali, e ainda assim aquilo estava quase me matando.